No dia 27 de julho serão completados exatos 30 anos da estreia, no Brasil, de um verdadeiro clássico do cinema, “Uma Linda Mulher”. Essa versão anos 90 da famosa história de Cinderela ainda hoje consegue prender a atenção de muitos, que torcem por um final feliz entre o rico Edward (Richard Gere) e a garota de programa Vivian (Julia Roberts). Mas além da comemoração pelas três décadas de sucesso, o roteiro dessa obra traz um aspecto intimamente ligado ao momento que o país está atravessando. É que o personagem masculino principal era um executivo muito habilidoso na arte de comprar empresas em dificuldades financeiras e ganhar muito dinheiro com esse investimento em negócios futuros. Colocando essa atividade nos termos usados pelo mercado financeiro, ela representa o que se convencionou chamar de fundos abutres.
Os fundos abutres procuram oportunidades no mercado por meio de análises e observação atenta das oscilações da economia, de maneira semelhante ao comportamento animal das aves que lhe deram o nome. No exterior são chamados de Vulture Capital.
Eles podem ser constituídos como fundos multimercados e, resumidamente, procuram oportunidades de investimento que estejam sendo negociados por preço inferior ao que efetivamente valem.
Nesse sentido, a pandemia começa a oferecer um verdadeiro banquete.
Segundo um levantamento do Serasa, somente entre março e abril de 2020 os pedidos de recuperações judiciais aumentaram 46,3%. Estimativas apontam que essa é apenas a ponta do iceberg. As projeções são de que entre 2 mil a 5 mil negócios peçam socorro à Justiça, para evitar a falência. Caso isso se confirme, este ano baterá todos os recordes históricos no registro dessa situação. Só para exemplificar, em 2016, ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff, foram registrados 1.863 casos.
O campo estará fértil para a proliferação de um tipo de ativo bastante conhecido no mercado americano, que são os distressed assets, na tradução literal, ativos estressados ou problemáticos. A ideia do nome é mostrar que esse ativo já passou por algum tipo de estresse, como um não-pagamento, alguma disputa judicial, entre outros motivos.
Os fundos abutres têm em suas carteiras ativos do tipo distressed, predominantemente. Um dos mais famosos exemplos desse tipo de operação no Brasil foi o caso da VASP. Após o encerramento de atividades e a decretação de sua falência em 2008, centenas de funcionários e fornecedores deram entrada em ações trabalhistas contra a companhia aérea do estado de São Paulo.
A história se desenrolou por muitos anos, com penhora de bens do Grupo Canhedo – responsável pela VASP -, pagamento de algumas dessas indenizações, e de outras, não.
Mas acontece que, em 2008, o TRT de São Paulo atribuiu a responsabilidade solidária da Fazenda Pública de São Paulo (FESP) pelos débitos da VASP, pois foi reconhecido que a FESP detinha 40% da empresa e, portanto, é também responsável por quitar a dívida.
No mês de maio, uma operação estruturada pela fintech Hurst ofereceu a oportunidade de investimento pela aquisição dessa carteira, com deságio, para recebimento esperado em 34 meses, a uma taxa de 20,42% ao ano. Cerca de um mês e meio depois já havia captado quase R$ 1,5 milhão.
Num primeiro momento, assim como acontece no filme com o executivo Edward, os fundos abutres surgem como possíveis vilões. Afinal, não é nada simpática a posição de alguém que, aparentemente, se aproveita de uma situação de vulnerabilidade para obter lucros.
Apesar disso, ao assistir Uma Linda Mulher até o final, é possível ver que essa imagem se transforma. O momento de maior catarse da película traz o suposto administrador de fundo abutre sendo responsável pela recuperação de uma grande empresa familiar e ainda mudando completamente a vida da ‘mocinha’.
Na verdade, esse é o real objetivo desse tipo de investidores. Apostando em sua capacidade de identificar uma boa oportunidade de investimento onde outros só veem risco, eles acabam sendo responsáveis por dar uma nova vida a um ativo (ou empresa) que poderia ter um destino bem diferente.
Que os finais felizes dos contos de fadas possam se espalhar pelas empresas e pela economia brasileira como um todo no período pós-pandemia. E que todos os abutres se revelem heróis.