Recuperação

ARTIGO - A crise da Covid-19 e o que podemos aprender das finanças islâmicas

Sistema financeiro islâmico, com sua divisão de lucros e perdas, apresenta melhor desempenho durante a pandemia. Por que será?

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Por Andréia Lopes Beppu*

A COVID-19 introduziu uma crise econômica no mercado, causada por distanciamento social, os necessários lockdowns, a diminuição da demanda de alguns produtos, entre outros fatores. O FMI descreve a crise “como nenhuma outra” e neste momento vemos o quanto é necessário a assistência médica para as operações normais do mercado, sendo essa um bem público.

Os estudos recentes mostram que o nível de endividamentto e a concentração de renda tendem a se mover em conjunto. Os agentes abastados tendem a ter uma menor propensão a consumir em comparação com os menos abastados.  Estes tomam emprestados dos ricos, os recursos assim são distribuidos de modo que a lacuna entre os grupos torna-se ainda maior. 

Nesse período tambem há menos consumo na sociedade, pois uma parcela é alocada para financiamento e não consumo. A armadilha da dívida tem piorado e a resposta à pandemia tem levado isso ao mais alto nível. Um paradigma diferente para o tratamento dos riscos deveria ser adotada neste momento, como o compartilhamento destes. 

Os riscos poderiam ser compartilhados de forma adequada entre os agentes econômicos, ao invés de concentrados na dívida pública. O ideal seria haver um estímulo para esse compartilhamento de riscos do investimento. Um modelo de divisão de riscos ofereceria duas linhas de defesas contra as crises, tanto na sua base com ligação à economia real, a não cobrança de juros e o compartilhamento de riscos. Uma rede de segurança formada pelos agentes poderia tornar a recessão mais curta e menos severa. Quando olhamos ações como a do Presidente Biden vemos que o sistema de certa forma pede uma economia social e esta pode ser tornar um paradigma mas poderia ser trazida à tona através de um sistema que promova a disvisão de riscos.

Resposta à COVID 

Os governos e bancos centrais em todo o mundo têm anunciado ajuda financeira e pacotes de auxílio aos setores mais afetados, para reduzir o impacto da crise. Planos massivos para transferência de capital são anunciados e distribuídos, e aqui podemos citar o amplo sistema desenvolvido por Biden para impulsionar a economia dos EUA.

O modelo financeiro islâmico apresenta já em sua base (pelos modelos de contrato) uma economia social ou um sistema para auxílio da população. As finanças islâmicas compreendem apenas uma parte pequena de um amplo sistema global, mas teve um desenvolvimento notavél nas ultimas décadas.A natureza do compartilhamento de riscos tem atraído a atenção de todos os setores financeiros, incluindo bancos e mercado de capitais. 

Os bancos centrais estão encorajando ou mesmo exigindo recursos financeiros intermediários para diferir as contas a receber e ajudar as PME em setores-chave, como agricultura e as familias. Uma forma de fazermos isso seria a distribuição dessa conta com a divisão de riscos no sistema.

As isntituições financeiras sociais islâmcias desfrutam de diferentes graus de independência dos governos. O Zakat (arrecadação islâmica) fica sob controle do Estado, mas o Sadaqah e o awqaf podem e devem nutrir o sistema e servir de auxílio a partir  da própria instituição religiosa. No contexto da pandemia, os instrumentos da sociedade islâmica devem ser coordenados e integrados com a política fiscal.

No caso do Brasil não vemos uma participação e um apoio das instituições privadas e religiosas no sistema; não estamos distribuindo os riscos ou mesmo criando um sistema de apoio à recuperação do sistema.

Há muito que aprender com as diferenças culturais e religiosas. Se realizado um benchmarking, o que podemos trazer a tona? Porque nosso sistema acumula onde deveria estar buscando uma distribuição e criação de uma rede de auxílio? 

Poderíamos buscar novos modelos na divisão de riscos, neste momento, para a recuperação da economia e criação de valor dos bens públicos como saúde, utilizando novos métodos de arrecadação e assim também novos modelos de contratos para a distribuição de riscos dentro do sistema. 

Analisando os gráficos de investimento do ano passado, tanto mundial como com enfoque no sistema europeu, vemos o sistema financeiro islâmico, com sua divisão de lucros e perdas, apresentando melhor desempenho. Assim nos questionamos o porquê disso?

Fonte: Relatório do Islamic Development Bank 2021 p.28

Os dados apresentam, de fato, uma performance melhor dos ativos islâmicos, mostrando que sua recuperação em meio à pandemia tem sido notável, diferentemente do sistema capitalista tradicional. 

O sistema apresenta uma natureza resiliente dos investimentos islâmicos, sendo o argumento de alguns pesquisadores os critérios de seleção de equidade. Neste período de  Covid-19, refletindo sua natureza relativa avessa ao risco nos investimentos islâmicos e sugerindo cobertura potencial de benefícios, o sistema apresenta um modelo atrativo. Isso nos levanta perguntas que podemos começar a debater.

* Especialista em finanças islâmicas, com pós-doutorado pela USP (Universidade de São Paulo)