Por Leonardo Kaufman, Igor Tavares e Paulo Carvalho*
É um fato que as criptomoedas se popularizaram na última década. Sem qualquer tipo de lastro e não vinculadas a um sistema bancário oficial, as moedas digitais têm como característica a alta volatilidade.
Um dos maiores exemplos é justamente a mais conhecida delas, o Bitcoin. Ele passou de R$ 48,2 mil em dezembro de 2017 para R$ 12,7 mil em janeiro de 2019 — quase 75% de desvalorização em pouco mais de um ano. No último ano, contudo, ela voltou a se valorizar e está na casa dos R$ 240 mil.
Apesar da instabilidade, os criptoativos têm uma vantagem: não sofrem influência direta da inflação nem das crises do sistema financeiro tradicional – o próprio Bitcoin foi criado em resposta à crise de 2008.
No novo período de instabilidade que passamos, algumas empresas estrangeiras, principalmente do setor de tecnologia, começaram a oferecer pagamentos via criptomoedas. Mas isso seria juridicamente possível no sistema legal brasileiro?
A resposta curta é: sim, mas a empresa estaria assumindo muitos riscos. Explicamos a seguir.
Hoje, há pouquíssima menção na legislação brasileira sobre o conceito de criptomoedas. Do lado fiscal, a Receita Federal já publicou Instrução Normativa regulamentando a obrigação de corretoras de criptoativos e de pessoas físicas fornecerem informações ao Fisco.
Já foram até criados códigos para indicar criptoativos na declaração de imposto de renda, caso haja ganho de capital a partir deles.
Já do lado regulatório, a Comissão de Valores Mobiliários ainda não regulamentou as moedas digitais, embora tenha esclarecido sobre momentos em que elas se enquadram nas normas existentes.
Do lado trabalhista, também não há norma sobre o assunto.
Nesse caso, é preciso analisar a legislação existente e a sua potencial aplicação em um caso da vida real de pagamento com criptoativo.
O artigo 463 da CLT prevê, de forma geral, que o salário será pago ao empregado na moeda corrente do país – o real. Se a regra não for obedecida, a lei considera que não houve pagamento.
Ou seja, há um grande risco de o empregador ter que pagar duas vezes o seu funcionário, caso ele conteste o pagamento.
Há também outro princípio que dificulta esse uso, o da irredutibilidade salarial. Se o valor da criptomoeda flutuar para baixo em um curto espaço de tempo – o que é típico delas -, isso pode ser lido como redução salarial.
Não há, também, definição exata da natureza jurídica das criptomoedas.
Um precedente do Superior Tribunal de Justiça indica que elas não têm natureza de moeda ou de valor mobiliário. Como a CLT exige mínimo de 30% do salário pago em dinheiro, essa seria outra dificuldade.
Um caminho mais viável seria utilizar as criptomoedas como bonificação, incentivo ou prêmio para os funcionários. Por enquanto, não há regulação que impeça isso. O único entrave é o risco atrelado à flutuação do mercado, como o que existe em um investimento qualquer.
Considerando a valorização crescente das criptomoedas, principalmente no longo prazo, elas podem ser um meio inovador para os empregadores incentivarem, atraírem ou reterem seus talentos.
Fato é que que essa regulação, ainda muito incipiente, precisa evoluir para trazer um mínimo de segurança jurídica.
O Projeto de Lei 3.908/2021 prevê que parte da remuneração dos trabalhadores possa ser paga em criptomoedas, de forma opcional. Embora ainda esteja em tramitação inicial no Congresso, esse pode ser o primeiro passo para uma boa análise legislativa do assunto.
*Leonardo Kaufman, Igor Tavares e Paulo Carvalho são associados do grupo trabalhista e previdenciário do Trench Rossi Watanabe.