Por Roberta Tedesco*
A Covid-19 provocou diversas adaptações no dia a dia das pessoas. Em um curto período de tempo, no primeiro semestre do ano passado, as pessoas tiveram de se adaptar às restrições de distanciamento social impostas pela pandemia e se recolherem em casa.
No trabalho, os primeiros impactos foram a adoção do home office durante o período de restrição de circulação das pessoas.
De um dia para o outro, as empresas foram obrigadas a adaptar a rotina dos seus colaboradores no trabalho remoto, tanto em questões de tecnologia, por meio de melhorias no acesso à rede remota, quanto de ergonomia e saúde.
As reuniões virtuais passaram a fazer parte do cotidiano e os escritórios ficaram praticamente vazios.
O trabalho remoto já era uma forte tendência no ambiente corporativo, mas a aceleração forçada provocada pelo coronavírus resultou em maior adaptabilidade e menor resistência dos líderes e colaboradores.
Após alguns meses neste modelo, empresas e funcionários entenderam que produtividade, eficiência e resultados não são impactados pelo modelo de home office. Em consequência, começou a ser reduzida a dependência pelos espaços físicos.
Outro impacto observado na ocupação dos imóveis corporativos foi a alta no Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), o mais utilizado nos contratos de locação, que atingiu os maiores percentuais históricos nos últimos 26 anos.
As empresas começaram a revisar seus contratos de locação, seja para encerramento ou mesmo para ajustes, solicitação de descontos, carências e até mesmo a troca do índice de reajuste de inflação para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
As companhias também começaram a revisar o espaço físico necessário para suas operações, por meio de um novo plano de ocupação. Ou então começaram a buscar escritórios com infraestrutura de alta qualidade.
Os dois movimentos descritos acima aumentaram a desocupação de espaços corporativos no país. As duas maiores capitais do país – São Paulo e Rio de Janeiro -, por exemplo, atingiram a maior taxa de vacância dos últimos anos.
A falta de flexibilidade dos locadores em não abrir exceções e ajustes nos contratos vigentes, conectada com uma nova tendência de uso do espaço físico corporativo das companhias, fortaleceu o flight to quality: as companhias passaram a enxergar o mercado como uma oportunidade de encontrar espaços fisicamente mais adaptáveis e sustentáveis ao local de trabalho do futuro.
Apesar de a crise econômica não ter reduzido os valores dos aluguéis, como era esperado, o impulso pela qualidade dos espaços pode trazer otimizações expressivas nos custos operacionais.
Considerando o impacto de médio a longo prazo, apesar da forte tendência do home office, o escritório ainda tem um papel muito importante na cultura empresarial do Brasil, embora cada região e cada setor empresarial tenha sua particularidade.
Isto faz com que grande parte das empresas procure um modelo alternativo e, em sua maioria, o modelo híbrido, com os colaboradores se dividindo no trabalho em casa e na companhia.
Esse modelo também impulsiona uma transformação no programa de necessidades dos espaços físicos, que não necessariamente indica uma redução da área ocupada, uma vez que a diminuição da presença física de colaboradores fortalece a interação em equipe quando em escritório, trazendo assim, a necessidade de planejar mais espaços colaborativos que individuais.
Outro impacto é o impulsionamento da cultura low-touch, a qual consiste em reduzir a necessidade do contato físico entre as pessoas, que geralmente são encontrados em edifícios mais modernos e de melhores padrões.
No segundo trimestre de 2021, por exemplo, os escritórios de alto padrão tiveram mais contratos firmados do que devoluções, aumentando consideravelmente a taxa de ocupação.
Em São Paulo, apesar da queda observada no valor unitário das locações, a busca por espaços mais modernos e tecnológicos que possuem medidas preventivas do tipo low-touch, atendendo as medidas sanitárias atuais, aumentou significativamente.
Por essa razão, a vacância de edifícios do tipo A e A+, que apresenta um valor unitário mais elevado, é mais baixa do que a vacância de edifícios padrão B.
Além disso, o mesmo movimento pode ser observado na zona sul do Rio de Janeiro, que possui maior atratividade por ser uma região com vocação residencial e, portanto, exige menor deslocamento dos colaboradores no trajeto casa-trabalho.
Com o avanço da vacinação, o grande desafio dos próximos meses é fazer a gestão de toda essa mudança de forma eficiente e mitigar os impactos no longo prazo.
A única certeza decorrente deste novo cenário é de que o momento é muito propício e oportuno para que as empresas realizem uma revisão dos seus planos de utilização dos espaços físicos alinhado com seus modelos de negócio e a realidade dos funcionários, além da busca por novas tecnologias e tendências de mercado.
Roberta Tedesco é sócia de estratégia em finanças corporativas do setor de Real Estate da EY.