Controle e transparência

ARTIGO - Prevenção à lavagem de dinheiro e gestoras de investimentos

Norma da CVM possibilita colaboração entre as áreas de compliance de diferentes empresas para combater irregularidades no mercado

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Por Maria Eduarda Portella*

O combate à lavagem de dinheiro é global e, claro, reverbera no Brasil. Dessa forma, em outubro passado, entrou em vigor uma nova instrução da Comissão de Valores Mobiliários que regulamenta o assunto.

A chamada "Instrução CVM 617" tem como objetivo adequar o mercado de capitais brasileiro aos padrões internacionais, além de reforçar suas estruturas normativas de controle para a prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLD-FT), fazendo-o de modo plenamente alinhado às diretrizes dos principais organismos internacionais que lidam com essa temática, em especial o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo – GAFI.

As gestoras de investimento se adequaram à nova norma, que chegou para substituir e modernizar um texto de 1999. Isso inclui, por exemplo, a inserção da Abordagem Baseada em Risco como principal ferramenta de governança da prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD-FT), o que resulta na necessidade, por parte dos agentes regulados:

• da reestruturação da política de PLD-FT;

• da elaboração periódica de uma avaliação interna de risco;

• da reformulação de suas regras, procedimentos e controles internos, com o aprimoramento das funções do diretor responsável pela norma, bem como a apresentação de deveres vinculados à alta administração;

• da definição das etapas vinculadas à condução da política "Conheça seu Cliente", incluindo o detalhamento das rotinas relacionadas ao pleno conhecimento do beneficiário final;

• e do maior detalhamento dos sinais de alerta a serem monitorados e dos pontos que devem integrar a análise da operação ou situação atípica que foi detectada, assim como a apresentação dos elementos mínimos que devem integrar um reporte para a Unidade de Inteligência Financeira.

No que tange o envolvimento da alta administração, a norma traz a responsabilidade, aprovação e adequação da respectiva política de PLD-FT, da avaliação interna de risco, assim como das regras, dos procedimentos e dos controles internos.

De forma prática, agora faz parte do processo estruturado de PLD-FT solicitar a aprovação da política que rege o tema ao conselho de administração da instituição. Era algo já feito anteriormente, mas agora com uma nova estrutura.

À medida que um executivo da alta administração se envolve na redação e aprovação da política de PLD-FT, esse ato desencadeia o tema para a empresa como um todo, e a PLD-FT deixa de ser uma obrigação exclusiva da área de compliance para ser da empresa toda.

A partir do momento que as regras estão escritas e aprovadas, a gestora pode criar um fluxo de processos que permite à toda a companhia conhecer as regras e segui-las.

Isso começa com uma série de treinamentos envolvendo diferentes áreas e segue com o acompanhamento da área de controle e processos internos, que se certifica de que não haja falhas.

Depois dessa etapa, quando ela estiver consolidada, o próximo passo será elaborar treinamentos específicos mais didáticos, para que todos possam levar as dúvidas remanescentes.

Com a Instrução CVM 617, a Comissão de Valores Mobiliários foi mais detalhista. Até porque, de acordo com a norma anterior, o foco para a prevenção à lavagem de dinheiro eram os investidores. Eles continuam no radar, mas agora a outra ponta – de quem toma os recursos financeiros – também precisa ser analisada com mais critério.

Qual é o risco de exposição a PLD-FT do tomador ou do cedente do crédito? Alguns perfis têm mais riscos que outros, e isso precisa ser olhado de acordo com suas particularidades.

A CVM determinou, portanto, que não se pode mais colocar todos no mesmo patamar de análise e é, no mínimo, reconfortante saber que a CVM permite agora que cada instituição do mercado adote uma abordagem baseada em risco de acordo com os produtos e serviços que oferece e contrata.

Isso é relevante porque não há como comparar, por exemplo, um gestor de um fundo de investimentos em ações, cujos ativos são adquiridos em bolsa, com um gestor de um fundo de investimento em direitos creditórios.

É de acordo com essa abordagem baseada em risco que a gestora de fundos vai estruturar seus processos de análise, que não serão os mesmos para todos os originadores (do crédito – no caso dos FIDCs – Fundos de Investimento em Direito Creditórios) e ativos.

O segredo, para conseguir fazer essa análise mais pulverizada, é olhar quais são os processos de PLD-FT do agente que origina ou concede o crédito e questioná-los. A partir disso já se conseguem informações bastante relevantes.

Essa nova instrução, além de impedir que as gestoras sejam passivas diante do fluxo de recursos que passa à sua frente, vem em sintonia com a evolução do mercado de investimento, onde cada vez mais o investidor quer saber onde está alocando seu investimento e de que forma esse investimento vai impactar positivamente a sociedade.

Então, podemos dizer que quando a gestora se preocupa com a PLD-FT dos ativos isso é um valor agregado para os investidores.

A Instrução CVM 617 trouxe uma oportunidade ao mercado de abrir a forma como se controla a PLD-FT em suas instituições. Isso pode gerar uma colaboração entre as áreas de compliance de diferentes empresas, fazendo com que ocorra um "escambo" de informações e metodologias que são altamente agregadoras para combater a lavagem de dinheiro.

*Maria Eduarda Portella é sócia responsável pelas áreas de Jurídico e Compliance da Empírica. É formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com pós-graduação em Direito Econômico pela FGV-EAESP.

*Com informações de CM Comunicação Corporativa.