Por Victor Hugo Pereira Gonçalves*
Depois de muita expectativa, desde o início de agosto o país está vivendo sobre a vigência integral da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), considerando que agora já é possível a aplicação de penas para o descumprimento das normas. Como em outros casos, o que se pode notar é que, apesar disso, ainda se vive o clima de saber se a sociedade brasileira está diante de uma lei que vai ou não vai ‘pegar’.
Um rápido balanço feito a partir do início das discussões a respeito do tema, até este momento, revela que, infelizmente, a LGPD produziu poucos avanços. Neste período, houve excesso de desinformação em relação à sua vigência, atrasos e adiamentos na implementação, demora para a criação da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e várias outras situações que fizeram com que a lei ainda não tenha alcançado o nível de entendimento e aprofundamento cultural necessários, tanto nas empresas quanto para os titulares se empoderarem de seus direitos.
Para que isso aconteça é preciso que sejam realizados três grandes movimentos que são :
O primeiro deles está relacionado com a necessidade de educar as pessoas sobre seus direitos e os controladores sobre seus deveres, além de construir um ambiente cuja cultura da proteção de dados seja aplicada e respeitada.
Neste aspecto, o grande objetivo é fazer com que o cidadão tenha em mente o quanto a proteção de dados está atrelada com a questão da dignidade da pessoa humana e com a sua autodeterminação informativa.
O segundo desafio é pressionar para que o governo aplique o poder regulatório, obrigando os controladores irresponsáveis sejam pu-nidos pelas infrações cometidas. Que haja multa para os grandes comerciantes de dados. Que todos os que não aplicarem corretamente o sistema protetivo de dados, composto pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo Marco Civil da Internet, pela LGPD e outras legislações, sejam sancionados. Que o Estado imponha sua força para coibir, diminuir e desincentivar efetivamente as más práticas, os ilícitos e os vazamentos. Que seja finalmente reconhecido por todos que o dado pessoal é um direito fundamental atrelado ao titular e a uma perspectiva de sociedade mais digna.
Já o terceiro esforço aponta para uma mudança de mentalidade dos controladores. Eles precisam enxergar que a parceria com os titulares trará inúmeros benefícios econômicos e financeiros, que serão mais significativos e sustentáveis. Somente assim eles entenderão que o uso indevido dos dados das pessoas, sem qualquer consentimento ou fundamentação legal, terá cada vez menos sentido de ser buscado.
Enquanto essas iniciativas não forem realizadas, ainda teremos um longo caminho a ser percorrido até criar uma cultura de proteção de dados e substituir o comportamento de uso abusivo e ilegal de dados que prevaleceu por mais de 30 anos neste país.
Mesmo assim, é fato que a LGPD trará inúmeros benefícios assim como já está trazendo. Sua contribuição é absolutamente relevante no sentido de que uma sociedade que possui critérios de transparência e de respeito a tratamento de dados e a direitos fundamentais do cidadão é uma sociedade mais democrática, mais justa e mais igualitária.
A velocidade com a qual essa lei vai ou não vai ‘pegar’ será proporcional ao esforço que cada brasileiro fizer para acelerar o entendimento das pessoas sobre aspectos de segurança da informação e privacidade.
É fundamental, por exemplo, educar a sociedade sobre a importância da leitura dos termos e compromissos assumidos ao acessar sites, redes sociais e ambientes web. Também é necessário disseminar ensino com relação à enxurrada de termos como aceites e recusas, por exemplo. Os titulares precisam saber quais são as ferramentas de tratamentos, para onde vão os seus dados e como eles são tratados.
São inúmeros os desafios que exigem o enfrentamento. Mas todos os esforços precisam ser feitos no sentido de que essa seja uma lei que vai ‘pegar’ não pela imposição de multas, mas porque há o entendimento da sociedade de que isso será muito bom para todos.
*Victor Hugo Pereira Gonçalves é fundador e presidente do Instituto SIGILO, ONG de Defesa da Proteção de Dados Pessoais, Compliance e Segurança da Informação