Benefício

Auxílio Brasil: "com inflação, mal dá para comprar alguns quilos de arroz e um botijão de gás"

Afirmação é do presidente do G10 Favelas, que admite necessidade do programa, mas diz que cenário econômico tira poder de compra das famílias. Auxílio está cercado de dúvidas e críticas

- Marcello Casal Jr/Agência Brasil
- Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A substituição do Bolsa Família tem levado apreensão a muitos lares brasileiros. Depois de 18 anos, o programa criado em 2003, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi encerrado para dar lugar ao Auxílio Brasil, com carimbo do governo Jair Bolsonaro. Apesar de chegar em um momento crucial, em que muitas famílias não estão conseguindo colocar comida na mesa, o auxílio tem acumulado dúvidas e críticas.

Nos últimos dias, milhares de pessoas estão formando filas em frente aos postos do Cadastro Único para tentar atualizar, cadastrar dados e em busca de respostas. A inscrição no CadÚnico é um dos critérios para garantir o dinheiro do Auxílio no bolso das famílias de baixa renda. Mas não é o único.

Detalhes

Conforme o governo, o auxílio deve começar a ser pago a partir desta quarta-feira (17) para quem já recebia o Bolsa Família. Só depois deve seguir atendendo novos beneficiários. O dinheiro deve ser pago às famílias em situação de extrema pobreza, com renda familiar mensal de até R$ 100 por pessoa, e em situação de pobreza, com renda de até R$ 200 por mês por pessoa.

Agora, quanto cada uma pode receber exatamente dependerá do direito a outros benefícios que estão debaixo do guarda-chuva do Auxílio Brasil. Entre eles, prêmios por desempenho escolar dos filhos, por exemplo. 

O governo reajustou o valor médio do benefício, que subiu para R$ 217,18, mas o complemento para garantir a promessa do governo de um mínimo de R$ 400 ainda é incerto e está vinculado à aprovação da PEC dos Precatórios. Além disso, o Auxílio já nasceu com data para terminar: por ora, só dura até dezembro de 2022. E está aí um problema.

 

Temor

Os pontos de interrogação do programa viram temor para o dia a dia daqueles que mais estão sofrendo com o momento econômico. Gilson Rodrigues vê isso diariamente. Ele é presidente do G10 Favelas, um grupo de líderes e empreendedores de impacto social de comunidades vulneráveis de todo o país.

Ele conta que o Bolsa Família teve um impacto grande nas favelas do Brasil. “As famílias mais pobres passaram a ter garantido o direito de se alimentar e dar mais qualidade de vida para os filhos. Inclusive, deu maiores perspectivas de trabalho porque muitos usaram esse dinheiro como ajuda para empreender e, depois, deixaram de receber o benefício porque conseguiram transformar a própria vida, seja por meio do empreendedorismo ou pela educação que deram para os filhos. E isso também ajudou a alavancar a economia do país”. 

Agora, o principal ponto sobre o Auxílio Brasil, na opinião de Rodrigues, é a continuidade. Além disso, também questiona como a ajuda será realmente efetiva diante de um cenário de inflação tão alta que corrói o poder de compra, principalmente, dos mais pobres.
 
“A principal dúvida é sobre a continuidade. Até porque se estabelece um prazo final, o que demonstra um programa muito mais eleitoreiro e imediatista para pensar 2022, do que pensar o combate à fome e à pobreza. Ainda assim, ele cumpre um papel de ajudar as famílias que mais precisam no momento em que a crise econômica se agrava, mas poderia vir desenhado em uma estrutura maior e melhor. Isso porque, com a inflação, esse valor  mal dá para comprar alguns quilos de arroz e um botijão de gás”.

Para Rodrigues, é importante que os programas sociais estejam pensados para atender a perspectiva das comunidades. Por isso, é importante que elas sejam ouvidas e participem para mostrar a realidade em que vivem.

“Agora, cria-se o programa e não sabe de onde vai vir o dinheiro. As famílias que mais precisam deixam de receber porque não atendem aos critérios altamente burocráticos. Então, falta planejamento e sobra política eleitoral. Agora, à medida que esse programa avance, precisamos fazer dele uma política de estado”.

Político

O advogado e consultor de negócios  Daniel Toledo admite a importância da concessão de um benefício maior do que o Bolsa Família para injetar dinheiro na economia e tentar aquecê-la em um momento bem delicado como o atual. 

Mas, para ele, é preciso atentar que o Auxílio Brasil tem validade de um ano, enquanto o Bolsa Família até então não tinha um período determinado. Essa injeção é especificamente para os próximos 12 meses, o que seria um prejuízo para a classe de pessoas que sobrevivia com o Bolsa Família.

Aliás, para Toledo, o sinal vermelho deve ser aceso. “O documento deixa diversas dúvidas. Primeiro, o que vai ser depois de dezembro do ano que vem? O que vai substituir? Ou, quando acabar o período do Auxílio Brasil, as pessoas que antes recebiam o Bolsa Família vão voltar para a miséria? Eu, particularmente, sou contra a 'política de sustento'. Mas, da forma como o processo está sendo feito, não é o mais correto, principalmente, para o momento econômico do País”. 

Outro ponto destacado por ele é que com a aprovação da PEC, mesmo concedendo até R$ 400 por família, ainda haverá sobra do dinheiro ‘economizado’. “Ou seja, do calote nos titulares do direito de precatórios, e o dinheiro vai ser direcionado a fundo partidário”. Por tudo isso, o advogado analisa que o problema do Auxílio Brasil é político.

TIRE DÚVIDAS SOBRE O AUXÍLIO BRASIL

Nem todos os pontos do novo auxílio estão bem claros. Mas confira as principais informações:

Quem vai receber?
Conforme o Ministério da Cidadania, todos os beneficiários do Bolsa Família devem receber o Auxílio Brasil este mês. A fila, no entanto, só será zerada em dezembro. Novos beneficiários, que precisam estar no Cadúnico e serão atendidos posteriormente.

E quanto?
A promessa do governo de pagar um valor mínimo de R$ 400 subiu no telhado. Isso porque é necessário a aprovação final da PEC dos Precatórios para financiar o valor. Será pago, assim, um valor transitório, garantindo, porém, que não haja redução no que recebiam os beneficiários do Bolsa Família.

Como saber se receberá o benefício?
O governo informou que a concessão e o valor do benefício poderão ser consultados nos próximos dias no antigo aplicativo do Bolsa Família ou pelo 121, Central do Ministério da Cidadania. 

Renda baixa e custo alto. Conta que não fecha

Ao mesmo tempo em que tentam garantir o auxílio, as famílias de baixa renda lutam para organizar um orçamento cada vez mais minguado. A Bem Gasto, Ong que tem o objetivo de transformar a vida das pessoas por meio da Educação Financeira, também realiza trabalhos em comunidades de baixa renda. Conforme a Ong, para famílias de baixa renda, o mais importante é ter um bom controle dos gastos e entender a diferença entre custos fixos e variáveis. 

A entidade sempre começa suas aulas nestas comunidades ensinando como organizar os gastos, a identificar e reduzir desperdícios, quando eles existem. Mas o problema vai além. “Para essas famílias, qualquer gasto imprevisto, como com saúde, tem um ônus muito grande e pode desestabilizar todas as finanças, o que leva a dívidas, que muitas vezes não são pagas. Apesar de muito difícil, é importante tentar economizar e guardar para emergências”, orienta a entidade.