Queda de rendimento

Bolsa teve desempenho pior que outros ativos na última década, mostra levantamento

Pesquisa feito pela Comdinheiro mostra que o índice da Bolsa perdeu até para ativos atrelados ao CDI. Dólar e ouro foram os investimentos que geraram mais retorno

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De acordo com dados da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), em dezembro de 2020 havia 3,23 milhões de CPFs cadastrados, alta de 92,1% sobre dezembro de 2019 quando o número de investidores pessoa física era de 1,68 milhão. O alto crescimento se justifica pelo fato de naquele momento a taxa básica de juros estar em seu menor patamar histórico.

Deixar capital aplicado em produtos de renda fixa, principalmente a poupança, ficou desinteressante. O dinheiro, então, começou a migrar para a renda variável onde ainda era possível obter alta rentabilidade, apesar do risco maior. A Bolsa de Valores foi grande beneficiária desse movimento.

Não que o movimento em si, motivado pelo desejo de ganhar mais esteja errado. Investir em ações é, sim, uma forma interessante para a multiplicação dos recursos financeiros, mas é preciso ter muita atenção e bom conhecimento para se dar bem. O conselho dos especialistas é de que o investidor não pode ter pressa ao escolher a Bolsa. Os ganhos são possíveis no longo prazo. Tentar lucrar de um dia para outro só é viável para os experientes especuladores. 

O conselho parece bom, mas não é bem assim. O que é longo prazo? Um levantamento feito pela Comdinheiro mostra que o Ibovespa foi o pior investimento em 10 anos, perdendo até para o CDI.

Quem investiu no Ibovespa no dia 31 de agosto de 2011 e retirou o dinheiro apenas no dia 31 de agosto de 2021 obteve rentabilidade de 110,25%. Surpreendentemente o percentual é inferior aos 125,84% ganhos por quem escolheu um ativo indexado ao CDI para deixar seus recursos no mesmo período de tempo.

Nesta mesma base de comparação, o dólar valorizou 224,05%, sendo o ativo com a melhor performance entre aqueles pesquisados pela Comdinheiro. O ouro teve o segundo melhor desempenho (214,28%) seguido do IMA-B, indicador que acompanha o rendimento dos títulos Tesouro IPCA+ e que rendeu 202,96%. O IHFA (Índice de Hedge Funds ANBIMA) gerou retorno de 171,20% e o Euro, moeda da Comunidade Econômica Europeia, 165,47%.

Em outras palavras, quem escolheu o Ibovespa durante esse período se esforçou muito para ganhar pouco. Isso não significa que a Bolsa seja um lugar ruim para se investir e sim que não é um lugar para amadores. Mesmo nesse período houve quem tenha obtido retornos bem superiores investindo em ações específicas ou perdido muito, o que pode ser explicado com uma única palavra: volatilidade. 

“A questão é que o Ibovespa teve desempenho ruim nos primeiros cinco anos do período analisado, puxando o resultado para baixo. A crise política gerada pelas multidões que foram às ruas em 2013 e que durou até 2016 com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff foi responsável por instabilidades que derrubaram o mercado. Depois teve início um período de recuperação que poderia ter sido muito melhor se não fosse a pandemia”, explica Filipe Ferreira, diretor Financeiro da Comdinheiro.

Para se ter ideia, um investimento feito em 31 de agosto de 2011 chegou ao dia 26 de janeiro de 2016 com desvalorização de 33,63%. Mas foi se recuperando a ponto de alcançar valorização de 131,48% em 7 de junho de 2021, recuando para os 110,25% do final de agosto deste ano. Investimentos na Bolsa podem gerar rendimentos bem superiores aos demais, porém, como isso depende muito do humor do mercado, o diretor da Comdinheiro aconselha ao investidor a diversificar o máximo possível seus ativos.

“É o bom e conhecido conselho de nunca colocar todos os ovos na mesma cesta. Diversifique as ações não só por empresas, mas também por segmentos da economia, deixe uma parte em renda fixa como reserva de emergência, e em outros ativos. Não é porque o mercado se comportou de uma maneira nos últimos dez anos que ele vai seguir o mesmo caminho na próxima década. Pode acontecer o contrário, nunca se sabe”, finaliza Ferreira.

Outra forma de ganhar dinheiro com a Bolsa é se utilizando do trabalho de traders, profissionais do ramo com conhecimento e experiência no mercado. Quem dá o conselho é Antonio Marcos Samad Júnior, sócio da Axia Investing, uma empresa de São Paulo que atua como mesa proprietária, ou seja, faz investimentos com apoio de traders. Samad Júnior explica que a Bolsa é muito volátil. O conselho de esperar o longo prazo é válido para quem investiu em uma ação ou conjunto de ações que teve queda. 

Se o investidor ficar desesperado e sacar ele terá perdido dinheiro. Então, é válido esperar o tempo necessário para o papel atingir uma valorização que lhe confira lucro. Por outro lado, é possível ganhar dinheiro no curto prazo e até mesmo de um dia para outro. Mas isso exige muito conhecimento. 

“A queda do Ibovespa não significa que todos os papéis se desvalorizaram. Quem confiou na experiência de um bom trader, certamente lucrou muito mais nesse mesmo período porque ele tem o entendimento e a agilidade para vender e comprar ativos no momento certo. Ou seja, multiplica-se o dinheiro no longo prazo, com ganhos obtidos no curto e reinvestidos. Bolsa não é renda fixa para só dar retorno nem o antigo overnight, que rendia diariamente. É preciso ter jogo de cintura”, explica o executivo da Axia.

Aversão ao risco

Se a queda da Selic levou muita gente a tirar dinheiro da renda fixa em busca de ganhos maiores na renda variável, é possível que agora que a taxa básica de juros está subindo novamente – chegou a 6,25% – ocorra um novo movimento no sentido oposto. 

Francis Wagner, CEO do aplicativo Renda Fixa, lembra que, historicamente, o Brasil registrou períodos muito curtos de juros baixos, o que faz a renda fixa ser uma boa alternativa para quem não tem apetite a risco e quer manter o dinheiro protegido no longo prazo.

No entanto, qualquer escolha exige cuidado, pois o investidor precisa analisar as taxas administrativas cobradas pelos fundos e os impostos, além dos prazos de resgate. "A decisão deve ser baseada no valor líquido de resgate. Fundos com a mesma rentabilidade bruta podem oferecer ganhos líquidos bem diferentes", pondera.

Para quem tem medo da volatilidade da Bolsa, mas gostaria de obter retornos bem superiores ao da renda fixa, a opção é aplicar o dinheiro em ativos alternativos, também chamados de ativos reais. São papéis com base na economia real e sem correlação com o mercado financeiro tradicional. Oferecem rentabilidade quase tão alta quanto a Bolsa, mas sem a mesma volatilidade, e segurança próxima ao dos produtos de renda fixa, porém, sem a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

“É um mercado até mais antigo do que a Bolsa, mas que era restrito a donos de grandes fortunas. Com o surgimento de plataformas de investimento, esse mercado foi democratizado e já é possível a classe média aplicar dinheiro nesses papéis e lucrar com eles”, afirma Arthur Farache, CEO da Hurst Capital, maior originadora de ativos alternativos da América Latina.

Como exemplo de ativos alternativos, Farache cita royalties musicais, obras de artes, recebíveis, precatórios, entre outros. É uma modalidade que tem prazo definido, normalmente entre um e cinco anos.

Uma operação lançada pela Hurst em setembro, com duas obras do pintor brasileiro Di Cavalcanti, oferece os investidores rendimento médio de 16,06% ao ano e tem prazo de três anos para ser concluída. Percentuais semelhantes ou maiores podem ser ganhos de acordo com o produto que está sendo lançado. 

A única desvantagem dos ativos reais é que eles têm pouca liquidez, ou seja, não podem ser sacados a qualquer momento. Problema que foi amenizado com a tokenização dos ativos. “Hoje em dia as pessoas compram cotas desses investimentos na forma de tokens. Dessa forma, se houver a necessidade de fazer dinheiro, é possível negociá-los no mercado secundário”, explica Farache.

Desempenho do Ibovespa em comparação com outros ativos

Data

Ibovespa

Ouro

Dólar

Euro

IMAB

IHFA

CDI

* 26/01/2016

-33,63

52,98

158,11

94,21

50,84

65,01

53,69

**07/06/2021

131,48

222,17

218,16

169,45

209,49

174,47

123,53

***31/08/2021

110,25

214,28

224,05

165,47

202,96

171,20

125,84

* Maior baixa do Ibovespa no período
** Maior alta do Ibovespa no período
***Rentabilidade após dez anos