Por Ana Carolina Siedschlag, da Investing.com – O Brasil não está fazendo o suficiente para segurar o capital estrangeiro no país e segue perdendo oportunidades com o novo ciclo de alta das commodities no mundo, disse Drauzio Giacomelli, estrategista-chefe para Mercados Emergentes do Deutsche Bank, em entrevista ao Investing.com.
Segundo ele, o Brasil nunca teve problema em gerar dinheiro, mas em aplicá-lo, e a falta de previsibilidade e segurança jurídica têm afastado investidores do país, que preferem emergentes como México, da Europa Central e da Ásia em geral.
“A própria China, que agora tem se aberto um pouco, vai ser uma grande competidora por capital estrangeiro. Isso vai tornar cada vez mais difícil segurar capital externo no Brasil”, aponta.
A solução mais rápida no momento, segundo o estrategista, seria um comprometimento do governo em não gastar mais do que ganha e não elevar impostos para compensar gastos que poderiam ser melhor administrados. “Se comprometer em fazer as contas caberem no Orçamento, e um Orçamento sem criatividade”.
Confira a entrevista completa a seguir:
Investing.com: Essa alta extraordinária na demanda por praticamente todas as commodities é justificada?
Drausio Giacomelli: Para os grãos, temos as quebras de safras em alguns lugares do mundo, que não o Brasil e a Argentina, e os estoques relativamente baixos. A China tem que recuperar o rebanho de suínos, então há uma demanda maior. Sobre metais, tem o plano de infraestrutura aqui nos EUA e na Europa. A China está diminuindo o passo em termos de investimento, mas ainda tem muito o que fazer. Não devemos esperar uma contribuição muito forte deles nesse sentido, mas mesmo que a porcentagem da demanda diminua, o volume por commodities ainda será muito forte. Se não fosse, a China não estaria tão interessada nos países da África e no Brasil.
Inv.com: Quanto tempo esse novo ciclo de alta deve durar?
DG: A oferta de commodities no mundo ainda é limitada, no curto prazo. Há uma tendência de aumento do PIB per capita em países como a Índia e a China, o que, segundo alguns estudos, está diretamente ligado com o maior consumo de commodities. Ciclicamente, por motivos de oferta e demanda, vai rodar acima da tendência por pelo menos mais dois anos. Para o Brasil, exportador de commodities, a escassez de demanda nunca será um problema.
Inv.com: Não estamos então perdendo uma oportunidade de crescer via esse novo ciclo?
DG: O Brasil nunca teve problema em gerar dinheiro, mas em aplicá-lo. O país está fazendo o suficiente para segurar esse dinheiro internamente? Não. O país está fazendo o suficiente para atrair mais capital externo. Não, e não está nem segurando o local. Um ciclo de commodities é uma transferência de riqueza do mundo para o Brasil. Isso aconteceu durante o governo do [ex-presidente] Lula, tanto que uma das interpretações hoje em dia é que aquelas taxas de crescimento foram uma transferência de riqueza e, assumindo que o Brasil não foi o responsável pelo aumento de commodities no mundo, foi um fato exógeno. Foi um ciclo enorme de commodities de 2002 a 2007 que deixou muita gente rica, e trouxe muito investimento.
Agora, quando olhamos as estimativas de quanto dinheiro o brasileiro tem no exterior, os números são algo em torno de US$ 500 bilhões. É mais que o PIB da Argentina – que, aliás, é outro país que, desde que faça sol alguns dias do ano, gera uma quantidade enorme de dólares via commodities que não ficam retidos lá.
Tem tanta demanda por infraestrutura no Brasil que a taxa de retorno seria alta se não tivesse tanta interferência e distorção causada pelo governo. É uma pena porque esse dinheiro está gerando quase zero no Tesouro [americano] e poderia estar gerando 12%, 15%, 20% no Brasil.
Inv.com: O que seria o suficiente para manter esse capital aqui dentro?
DG: O primeiro seria previsibilidade. Desde segurança jurídica até previsibilidade de variáveis macroeconômicas. Hoje, a inflação esperada é relativamente baixa, de 3,5%, mas uma dívida de 100% sem contrapartida fiscal cria o risco de que ela possa explodir de novo e que o Brasil possa entrar em crise. O investidor estrangeiro precisaria de regras do jogo mais claras. Inclusive, tem países que têm menos atrativos que o Brasil e que recebem muito mais investimentos em portfólio.
Inv.com: Quais países são esses?
DG: Europa Central, México, Ásia em geral já receberam muito mais investimento. A própria China, que agora tem se aberto um pouco, vai ser uma grande competidora por capital estrangeiro. Isso vai tornar cada vez mais difícil segurar capital externo aqui no Brasil. Até Peru e Colômbia têm recebido mais investimentos em portfólio. O Brasil, infelizmente, está entre os últimos dos mercados emergentes.
Inv.com: Qual o grande problema que afasta os investidores?
DG: Essa mania de governos, ao longo dos anos, quererem reinventar o modelo é um problema. Um vem e diz que o gasto tem que ser do governo. O outro começa a fazer reformas, mas aumenta o tamanho do Estado. É complicado não ter uma continuidade de política econômica, que gere previsibilidade. Fiscal sempre foi um problema. Tinha sido equacionado até o segundo mandato do Lula, mas depois o gasto público explodiu de novo.
A única coisa que precisaria ser feito é se comprometer em não gastar mais do que ganha e não taxar mais. Se comprometer em fazer as contas caberem no Orçamento, e um Orçamento sem criatividade, que seja padrão no mundo, aos moldes das boas práticas internacionais. É só isso, mas aquele 'só isso' que estamos perseguindo há décadas.
Inv.com: O que a falta desse 'só isso' ocasiona?
DG: Fica um ambiente muito difícil de ler. É mais fácil ler a política de um país em que o presidente dá as cartas e o ministro da Economia é o responsável final pelas medidas econômicas, e muito mais difícil ler o processo decisório em um país que funciona como um parlamentarismo, no qual a palavra do ministro não necessariamente é a final, como vimos no caso da Petrobras (SA:PETR4). Isso torna a leitura do cenário mais complexa.
Inv.com: O que podemos esperar da Reforma Tributária?
DG: Dá para dizer com segurança que ela fará um progresso, mas também dá para falar com segurança que ela não vai ser concluída, já que não é prioritária, é complexa e não tem nem consenso sobre qual formato pode ter. A divisão entre a federação e os estados é complexa e deveria ser resolvida em um ambiente político mais calmo. Outra coisa é que não é uma reforma prioritária se a prioridade é cortar gastos. Depois da Previdência, deveriam vir os gastos administrativos, não a Reforma Tributária. Cortando gastos, tudo se endireita.
Inv.com: O que podemos esperar para o segundo semestre?
DG: No segundo semestre podemos ter um ambiente até relativamente mais favorável. No terceiro trimestre, as economias dos EUA e da Europa devem acelerar, esperamos uma curva descendente da pandemia com a vacinação, economia global reabrindo. Esperamos que a CPI da Covid tenha acabado até lá – e que não haja outra. E que o Orçamento já determinado para 2022 siga o Teto e seja mais fácil de obedecer.
Inv.com: Quais as perspectivas macroeconômicas?
DG: Câmbio próximo de R$ 5,30, juros a 5% este ano e 6,5% em 2021, crescimento do PIB de 2,8% em 2021 e de 1,7% em 2022.