Ao longo de 2020, uma das frases mais usadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para injetar doses necessárias de otimismo na população foi a afirmação de que a retomada dos níveis de atividade econômica do país estaria acontecendo na forma da letra V. Sua intenção era criar uma imagem fictícia mostrando que, após ter caído de forma vertiginosa durante o período mais agudo da pandemia, criando a primeira perna da letra em direção descendente, os negócios estariam invertendo essa tendência e criando uma segunda perna dessa mesma letra na posição inversamente proporcional, apontando, dessa vez, para cima.
Apesar do caráter positivo da afirmação e de alguns números aparentarem mostrar que ela tem lastro na realidade, o fato é que ainda há uma incerteza nessa retomada. Esperamos que o “crescimento em V” ocorra e que não tenhamos um “voo de galinha”. Talvez seja mais sábio estar preparado para uma evolução lenta, gradativa e insegura do crescimento econômico.
Tendo como base a máxima de que a síntese da insanidade é fazer sempre a mesma coisa esperando alcançar resultados diferentes, não são raros os estudos que tentam encontrar formas de manter a segunda perna da letra V subindo por um tempo mais longo ou aumentar a altitude do voo da galinha.
Nesse sentido, no mês de dezembro, um desses trabalhos apontou como alternativa a adoção maciça da inteligência artificial, sobretudo nas atividades de concessão de crédito.
Combustível para o PIB
A pedido da Microsoft, a consultoria americana FrontierView realizou o estudo “A Inteligência Artificial (IA) na era da COVID-19: Otimizando o papel da IA na geração de empregos e crescimento econômico no Brasil”. Um dos principais resultados foi a constatação de que a adoção de inteligência artificial pode adicionar 4,2 pontos percentuais de crescimento adicional ao PIB do Brasil até 2030.
O cenário pressupõe que as empresas e o governo usem a IA para expandir suas operações (não apenas para automatizar tarefas), e que o mercado de trabalho do Brasil possa atender à demanda por novos trabalhos habilitados pela IA.
De acordo com a análise do estudo, a Inteligência Artificial pode ser uma ferramenta para auxiliar o país na recuperação econômica, reduzindo custos, melhorando a arrecadação de impostos e estimulando a liberação de crédito para movimentar a economia.
Os responsáveis afirmam que a indústria de fintechs, por exemplo, já está usando IA para eliminar muitos dos vieses humanos e avaliações de solvência ineficazes que estavam dificultando o acesso ao crédito não apenas para determinados grupos de renda e sociais, mas também para pequenas e médias empresas com capacidade de crédito, especialmente aquelas que operam no setor informal.
A oportunidade para avançar nessa direção é realmente diferenciada neste início de década. Ela oferece instrumentos já consagrados como os scores de Bureau e os Dados Alternativos ao recém lançado Pix e outros em vésperas de entrar em funcionamento, como o Open Banking, que se somam a outros com um pouco mais de rodagem, como o Cadastro Positivo. Essas ferramentas criam as condições ideais para inserir uma massa gigantesca de pessoas físicas e empreendimentos informais à indústria financeira.
A quantidade de dados que estarão à disposição poderá ser trabalhada com eficiência e velocidade pela inteligência artificial para a geração de novos produtos e serviços que realmente promoverão uma expansão nunca vista na carteira de crédito do país.
Além disso, a inteligência artificial pode colaborar em outras áreas, como no combate à evasão fiscal, capacitando os inspetores fiscais com ferramentas de previsão que podem ajudá-los a identificar mais facilmente os comportamentos fraudulentos; na adoção de IA para a previsão de déficits de receita tributária; e nos impactos econômicos de diferentes alocações orçamentárias ou incentivos fiscais.
Seja como for, apesar dos inesquecíveis problemas sanitários e econômicos, é inegável que a pandemia também acelerou o crescimento da transformação digital, tanto das empresas quanto da sociedade. Se o país souber aproveitar esse fator a seu favor, a Inteligência Artificial oferece uma chance de alongamento que seria muito bem-vinda para a segunda perna da letra V.
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