Coronavírus

Com avanço da Delta, falta de coordenação na vacinação ameaça combate à pandemia

O Programa Nacional de Imunização (PNI) está sem comando desde junho, quando a então coordenadora Franciele Francinato deixou o cargo criticando a politização que se fez no país sobre as vacinas

- REUTERS/Washington Alves
- REUTERS/Washington Alves

Por Lisandra Paraguassu e Pedro Fonseca, da Reuters – Mesmo tendo conseguido avançar em sua campanha de vacinação e reduzir os casos e mortes por Covid-19, o Brasil leva adiante a campanha de imunização em um cenário em que as dificuldades de planejamento e a perda de controle pelo Ministério da Saúde levantam dúvidas sobre a capacidade do país de controlar a pandemia, especialmente com o avanço da mais transmissível variante Delta.

O Programa Nacional de Imunização (PNI) está sem comando desde junho, quando a então coordenadora Franciele Francinato deixou o cargo criticando a politização que se fez no país sobre as vacinas. Desde então, governos estaduais têm tomado decisões individualmente e sem o aval do ministério, como iniciar a vacinação de adolescentes e reduzir o intervalo de doses, colocando em risco a meta nacional de vacinar todos os adultos com as duas doses até o final de outubro.

"O PNI sem coordenação precisa ser resolvido urgente. Essa situação demonstra enfraquecimento do governo. O único responsável pelo que está acontecendo com o PNI é o próprio governo federal. Nesse momento, o ministro precisa fazer um freio de arrumação, fazer com que o PNI cumpra seu papel", disse à Reuters a epidemiologista Ethel Maciel.

O risco principal no momento diz respeito à conclusão do esquema vacinal, uma vez que apenas 33% da população tomou as duas doses ou vacina de dose única. A segunda dose se tornou especialmente importante mediante o avanço da variante Delta, originada na Índia e que é mais resistente aos imunizantes.

Estudo publicado no New England Journal of Medicine apontou que a eficácia contra a Delta após apenas a primeira dose das vacinas da AstraZeneca e da Pfizer fica na casa de 30%, mas sobe para 67% e 88%, respectivamente, com o esquema completo.

"Acelerar a segunda dose e ampliar o número de pessoas com esquema vacinal completo é absolutamente necessário para enfrentar a Delta", disse o coordenador executivo do Comitê de Contingência do Coronavírus do governo do Estado, João Gabbardo, citando uma reversão na tendência de queda nas internações hospitalares no Estado "provavelmente" pela disseminação da variante.

"Infelizmente não temos Pfizer e AstraZeneca para isso, mesmo assim continuaremos sem recuar na meta de vacinar o maior número de pessoas com as vacinas disponíveis", acrescentou.

Maior cidade do país, São Paulo já registra falta vacinas para a aplicação da segunda dose do imunizante da AstraZeneca, de acordo com dados da prefeitura. Uma alternativa seria aplicar a vacina da Pfizer como segunda dose, mas também não há doses suficientes do imunizante, que tem sido aplicado nos adolescentes.

De acordo com o governo paulista, o Ministério da Saúde deixou de enviar cerca de 1 milhão de 2ª doses de AstraZeneca para São Paulo, provocando um "verdadeiro apagão de vacinas", mas a pasta alega que a culpa pela falta de doses, na verdade, é do Estado, que teria usado vacinadas destinadas à segunda dose como primeira dose fora das recomendações do ministério.

"As alterações nas recomendações do Programa Nacional de Imunizações (PNI) acarretam na falta de doses para completar o esquema vacinal na população brasileira", disse o ministério em nota.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem pedido insistentemente para que Estados e municípios sigam as normas de vacinação determinadas pela pasta, alertando que, do contrário, o ministério não pode garantir a entrega de vacinas.

Os Estados, no entanto, afirmam que a falta de capacidade de coordenação do ministério os levou a assumirem para si a decisão de como organizar sua vacinação.

"Essa falta de coordenação nacional não é positiva e tem nos trazido preocupação”, disse à Reuters o secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula, que é também presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

“O PNI sempre funcionou de maneira centralizada e essa é uma das razões do sucesso dele, sempre conseguiu coordenar a distribuição das vacinas. Agora, na Covid-19, perdeu essa capacidade de coordenação.”

Problemas à frente

Somente depois que Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul já haviam anunciado a redução do intervalo entre as doses das vacinas AstraZeneca e Pfizer e a aplicação de uma dose de reforço em idosos e imunossuprimidos, o Ministério da Saúde seguiu o mesmo caminho.

Além disso, enquanto vários Estados começam a vacinar adolescentes de 12 a 17 anos, com e sem comorbidades, o ministério não tem uma estratégia para os adolescentes, e anunciou apenas que a vacinação dever ser feita depois que todos os adultos tiverem duas doses.

"No final cada Estado optou por fazer a sua estratégia, algumas bem-sucedidas, mas não se sabe o resultado disso lá na frente. Tem Estado diminuindo o tempo sem respeitar a coordenação nacional, e pode não se ter vacina garantida. Isso vai trazer problema lá na frente", disse Carlos Lula.

Questionado, o Ministério da Saúde não respondeu sobre a falta de coordenação do PNI desde junho e os impactos para a campanha nacional de imunização. A pasta ressalta, no entanto, que 86% da população adulta foi vacinada com a primeira dose e que serão distribuídas vacinas suficientes para todos os adultos até outubro, se forem seguidas as recomendações.

Ex-coordenadora do PNI, a epidemiologista Carla Domingues lembra que o ministério demorou a fazer um plano nacional de vacinação desde o início, incluiu vários grupos de prioridades, cedeu à pressão de Estados e grupos políticos, e depois terminou por adiantar a vacinação por idade também a pedido dos governos estaduais, que já começavam a adotar essa estratégia.

"Não se segurou as pressões políticas, alguns Estados receberam mais vacinas porque tinham mais grupos prioritários, não se fez um balanço para equiparar a distribuição antes de adotar a idade e criou mais distorção", disse.

A falta de coordenação nacional do PNI traz outra dificuldade apontada pelo epidemiologista Wanderson Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde: o risco de o país ficar sem vacinas suficientes para 2022.

Apesar de ter contratos para 660 milhões de doses no total, o ex-secretário aponta que isso pode não ser suficiente a depender do tipo de reforço de vacinação para toda a população.

"Dá mal para fazer toda a população atual (acima de 12 anos) e um chorinho para fazer o reforço dos idosos. E no mínimo vai ter que se reforçar todo mundo ano que vem, se não for necessário repetir a vacinação completa", disse ele à Reuters.

Além disso, a população-alvo das vacinas irá crescer a cada ano. Se prevê que pelo menos 3 milhões de crianças entrarão na idade vacinal de 12 anos em 2022, o que precisa ser calculado.

O planejamento para isso, afirma, deveria ter sido começado no máximo em julho. No entanto, não há sinais de novos contratos por parte do ministério até agora.

"Vários países já estão negociando novos contratos. O Brasil vai entrar atrasado de novo no mercado", afirmou.

Segundo o Ministério da Saúde, o governo pretende acertar ainda este ano a compra de doses a serem usadas em 2022, uma vez que foi feita previsão de cerca de 4 bilhões de reais para a vacinação na proposta de Orçamento da União de 2022, bem abaixo dos 27 bilhões de reais disponibilizados para este ano.