Há pouco mais de dez anos, em 2009, o Brasil decolava em manchete na capa da renomada revista The Economist. Poucos meses depois, o país veria sua taxa de crescimento econômico passar de 7,5% pela primeira vez em mais de duas décadas. Feito comparável apenas ao ocorrido em 1986 e no controverso período do “Milagre Econômico”.
O boom da demanda chinesa teve sua contribuição para o aquecimento das atividades do país na primeira década do novo milênio (2001-2010), mas não foi nem de longe o principal fator de expansão da economia brasileira.
A economista Monica Moura, em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), analisou mais de perto esse período, que hoje parece apenas uma lembrança — distante — do potencial de crescimento do Brasil.
Entre 2001 e 2011, a participação do crédito total no Produto Interno Bruto (PIB) praticamente dobrou, passando de 25,8% para 49%. O mesmo vale para a concessão de crédito com recursos livres para pessoas físicas, que saiu de 9,3% para 20,6% do PIB no período.
Crédito em declínio
Nos últimos quatro anos, ao contrário, assim como o nível de atividades do país oscilou entre quedas perigosas e altas pouco significativas, a concessão de crédito perdeu papel dentro do PIB.
No segmento de pessoas físicas, que é altamente atrelado à demanda das famílias por serviços e bens de consumo, o ritmo de expansão entre 2010 e 2020 nem se comparada à década anterior. Atualmente, crédito para pessoa física representa 27,8% do PIB, conforme dados do Banco Central. Quando segmentado por recursos livres, nota-se que a taxa caiu para 15,3%.
São muitos os fatores que levam a economia ao seu momento de estagnação atual, mas é bastante visível a correlação entre o crescimento econômico de um país como o Brasil e a expansão do crédito para as famílias.
Não devemos, porém, cair na armadilha da “romantização” do passado. Na peneira dos fatos, a sensação de regresso na capacidade de produção nacional encontra justificativas no próprio mecanismo de crescimento utilizado pelo governo durante meados da saudosa década de 2000 – e descobrimos que o voo de foguete não passava de “voo de galinha”.
Em seu livro A Valsa Brasileira, a economista Laura Carvalho lembra bem como a expansão do crédito, que impulsionou também os salários de um contingente de trabalhadores em segmentos de baixa produtividade, somada a políticas questionáveis de desonerações pontuais de impostos e custos às empresas, pressionou de forma incontrolável os preços da economia e, como um efeito dominó, culminou em sua própria desaceleração.
Quando a crise bateu à porta, o inevitável desemprego elevou níveis de inadimplência. E as incertezas quanto ao futuro, somadas ao cenário de instabilidade política instaurado, reduziram investimentos produtivos, inclusive do exterior. O Brasil perdeu o grau de investimento e os ingredientes para o desastre atual estavam dados.
Inteligência artificial e análise de dados
O crédito às famílias, uma das molas propulsoras da economia, pode e deve retomar sua relevância no PIB nacional. Mas a política de concessão precisa estar alinhada à realidade, para que a sua expansão ocorra de maneira sustentável no longo prazo.
Na última década, de 2011 para cá, a tecnologia avançou exponencialmente e tem sido a grande aliada das empresas na oferta de recursos. O protagonismo que tecnologias como Inteligência Artificial e Machine Learning vêm ganhando, na esteira da evolução do Big Data, desenrola alternativas possíveis à retomada das concessões.
Por exemplo, a análise dos mais variados dados, produzidos todos os dias pela sociedade, podem auxiliar no aumento da oferta mesmo em períodos de incerteza. Na era digital, a análise de dados cresceu em relevância e ganhou status, se transformando numa verdadeira bússola que direciona estratégias de sucesso para as organizações. Após coletados, organizados, cruzados e corretamente interpretados, os dados se transformam em insights que facilitam e direcionam a solução de problemas e o entendimento de situações complexas.
Ao contrário do que o senso comum defenderia, a análise mais acurada de dados reduz as restrições. Dados da Neurotech apontam que o uso da inteligência artificial pode elevar a concessão de crédito entre 10% e 20% sem aumento de inadimplência.
Potencial de expansão do crédito
Em um país como o Brasil, em que cinco grandes bancos concentram mais de 80% da oferta de crédito e mais de 45 milhões de pessoas sequer possuem conta corrente, as tecnologias podem ser utilizadas para fomentar a expansão das concessões e, consequentemente, retomar o ciclo virtuoso de crescimento do país.
De acordo com levantamento do Instituto Locomotiva, a parcela de 26% da população adulta que está de fora da mira das instituições financeiras tradicionais movimenta mais de R$ 800 bilhões por ano, um potencial enorme para o consumo via crédito.
A solução tecnológica já existe, assim como os dados que ela processa e ajuda a assimilar na tomada de decisão das empresas, por meio de análises descritivas ou mesmo preditivas. Esse arsenal permite ao país ir além e construir uma base mais sólida para a expansão do crédito.