Retirada dos estímulos fiscais estagnará a economia no 1º semestre

Desde o início da crise, argumentamos que os estímulos adotados pelo governo eram suficientes para gerar uma forte recuperação da atividade no segundo semestre do ano passado. Isso nos levou a projetar retração do PIB real em 4,3% em 2020 (enquanto consenso chegou a projetar queda de 6,5% em junho).

A nossa visão de que estímulos funcionam serve tanto para o impacto positivo sobre a atividade na implementação quanto no impacto negativo na retirada. Assim, o fim do auxílio emergencial deverá prejudicar o consumo das famílias nesse semestre. Isso sustenta nossa projeção de estagnação da atividade ao longo dos próximos meses e expansão do PIB real em torno de 3,5% em 2021. 

A recuperação da produção está beneficiando gradualmente o mercado de trabalho. Até novembro, cerca de 25% das pessoas que perderam a ocupação no auge da crise conseguiram realocação. 

A taxa de desemprego está em 14,3%, com ajuste sazonal, número que não reflete a realidade. Muitas pessoas que perderam a ocupação ainda não procuraram emprego e, consequentemente, não são consideradas desempregadas pela metodologia tradicional. Se incluíssemos essas pessoas nos cálculos, a taxa de desemprego estaria em 20,6%. 

Assim, a ociosidade do mercado de trabalho está extremamente elevada, o que evitará reajuste salarial relevante nos próximos trimestres. Isso minimizará o repasse do forte aumento dos preços no atacado para o varejo. 

Outros fatores pontuais devem arrefecer sensivelmente a inflação do 1º trimestre, como a recente queda do preço de commodities agrícolas em moeda local e a revisão da bandeira de energia elétrica para amarela neste mês.

Assim, estimamos IPCA 2021 em 3,2%, ligeiramente abaixo do centro da meta de 3,75%. Esse ambiente de inflação ao consumidor sob controle permitirá que o Banco Central do Brasil mantenha a taxa Selic em 2,0% até meados do ano. 

A baixa taxa de juros nominal (e taxa de juros real negativa), a enorme dificuldade de aprovação de reformas estruturais e as incertezas fiscais continuarão prejudicando o influxo de capitais. O fluxo cambial dos últimos meses melhorou bastante em relação a 2019, mas ainda está ligeiramente negativo. 

Isso indica que a taxa de câmbio precisa permanecer em patamar desvalorizado para evitar um aumento significativo no déficit nas transações correntes nos próximos trimestres. 

Portanto, a conta chegou. A necessária retirada dos estímulos fiscais estagnará a atividade brasileira no primeiro semestre. Diante da elevadíssima ociosidade do mercado de trabalho e expectativas de inflação sob controle, o BCB manterá a heróica taxa Selic em 2,0% até meados do ano, contribuindo para a permanência da taxa de câmbio em patamar desvalorizado.

Global: biênio de estímulos 

A implementação de medidas restritivas de isolamento social está prejudicando o desempenho da atividade mundial no curto prazo. Por outro lado, os governos reagiram com anúncios de mais estímulos fiscais e monetários. Esses enormes impulsos e o processo de vacinação sustentarão a recuperação da economia global no médio prazo e mantêm nossas projeções para o PIB real dos principais países acima do consenso. 

Nos EUA, o Congresso aprovou mais um pacote de estímulo fiscal de USD 900 bilhões (cerca de 4% do PIB). Esse impulso inclui um novo cheque para as famílias e extensão do auxílio desemprego, o que ajudará o consumo e, consequentemente, a produção americana. 

Além disso, o FED sinalizou que manterá o atual ritmo de compras de ativos (USD 120 bilhões por mês) até atingir progresso substancial no mercado de trabalho e na inflação. Isso demonstra a disposição em seguir com o atual estímulo monetário por muito tempo à frente. 

Assim, aumentamos nossa projeção de crescimento do PIB real americano para 5,5% em 2021, acima do consenso de 3,9%. 

Na zona do Euro, o BCE (Banco Central Europeu) anunciou aumento dos estímulos monetários para esse ano. Estimamos compra de cerca de EUR 1 trilhão em ativos, o que sustentará o mercado de crédito e o crescimento do PIB real em 6,0% nesse ano, acima do consenso de 4,6%. 

Na China, a atividade segue firme dentro das expectativas. O crescimento chinês está beneficiando os demais países emergentes da região. 

Portanto, a atividade mundial deverá continuar forte em 2021, diante dos enormes estímulos fiscais e aumento expressivo da liquidez mundial. A conta desse endividamento dos governos chegará algum dia, mas dificilmente neste ano.

A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.

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