Por Leandro Manzoni, da Investing.com – As projeções de investimentos no Brasil em 2022 passam pelo questionamento de como serão as eleições presidenciais de outubro e as apostas de quem vai ser o vencedor.
A nove meses da eleição, o cenário atual mostra liderança e favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), de acordo com as últimas pesquisas de intenção de voto.
Esse cenário não é, porém, o definitivo, e é logicamente suscetível de modificação de acordo com o desempenho dos candidatos e de mudanças dos ventos na economia. Mesmo assim, esse é o cenário-base com o qual investidores trabalham para precificar os ativos nos próximos meses.
Mas, isso não significa que não haja projeção de mercado em caso de vitória do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos candidatos considerados de terceira via – aqueles que se opõem tanto à reeleição de Bolsonaro como a um novo mandato de Lula -, como o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (Podemos), o ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e o governador de São Paulo João Doria (PSDB).
Para ter uma clareza do que está por vir, o Investing.com conversou com Paulo Gama, analista de política da XP Investimentos.
Os principais assuntos abordados foram os anseios da população, precificação dos ativos e o papel de cada candidatura e de outros políticos nos próximos meses.
A entrevista foi realizada em 20 de dezembro, antes da aprovação do Orçamento de 2022, o anúncio de paralisação e greve de funcionários públicos de carreiras típicas de Estado e da hospitalização de Jair Bolsonaro.
Confira a entrevista completa abaixo:
Investing.com: Como foi o governo Bolsonaro até o momento e se há possibilidade de aprovação de alguma reforma em 2022?
Paulo Gama: O governo começa em 2019 focado na Reforma da Previdência [que foi aprovada], e inicia 2020 pensando se haveria força para ter uma segunda onda de reformas.
Contudo, a pandemia paralisa e muda completamente a agenda. O governo corretamente se direciona para uma agenda de recomposição de renda, sem saber a gravidade do que viria pela frente.
A injeção de recursos na economia é muito significativa. O governo agiu de acordo com o seguinte pensamento: “se errar, que seja pelo excesso”.
Em 2021, havia aparentemente uma retomada da agenda anterior, mas houve uma segunda onda de Covid-19 muito mais forte do que a primeira.
O governo fica, então, atrelado de alguma maneira à agenda do auxílio emergencial, na busca de reverter a queda de popularidade e retornar aos níveis de aprovação que teve em meados de 2020, quando houve a implementação do auxílio emergencial no valor inicial de R$ 600 mensais por pessoa (uma injeção de aproximadamente R$ 400 bilhões na economia em 2020).
O governo foca, dessa forma, nas eleições presidenciais de 2022 e decide recuperar a popularidade por meio de um programa de transferência de renda mais robusto.
Ao invés de encerrar o auxílio emergencial e reativar diretamente o programa Bolsa Família, o governo decide ampliar o programa anterior, aumentando o valor de transferência mensal de renda de uma média de R$ 190 para R$ 400 e ampliando a cobertura de 14 milhões para 17 ou 19 milhões de famílias.
Essa é a agenda do governo para 2022, que precisou de mudanças nas regras fiscais para ser implementado. Mercado sente e precifica a perda de âncora fiscal [com a mudança da Lei do Teto de Gastos].
O governo responde direcionando esforços para aprovação de agendas setoriais no Congresso. No final de 2021, são aprovados o Marco das Ferrovias e o BR do Mar (que regulamenta o setor de cabotagem).
Mas, como o governo concentra esforços para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que ele pensa ser a “salvação” de popularidade com a criação de um programa de transferência de renda maior do que tinha antes da pandemia, outras agendas que já não tinham muito empenho do governo acabam ficando de lado, como é o caso da Reforma Administrativa e da Reforma Tributária mais ampla.
Inv.com: O aumento de valor e alcance do programa de transferência de renda é suficiente para o governo Bolsonaro recuperar a popularidade e entrar de forma competitiva no cenário eleitoral? Ou precisaria de outras medidas ou ser beneficiado com, por exemplo, queda da inflação e do desemprego?
Gama: Os nossos modelos apontam que há uma correlação muito forte, com dados desde 1996, entre inflação, desemprego e popularidade presidencial.
O governo busca, com isso, a repetição de 2020 e de 2021 com uma injeção de dinheiro suficiente na economia para que esses recursos funcionem como uma variável de emprego. E isso se apresenta no modelo como se ele tivesse um ganho de popularidade à frente.
Parece ser a leitura do governo. O ponto é, entretanto, que em 2020 e em 2021 essa agenda era desconhecida e demandava amplo aporte de recursos.
O mercado entendia a medida como necessária diante da conjuntura daquele momento, mesmo sendo visto como um descontrole fiscal. Por isso, a decisão do governo não foi penalizada com alta no preço dos ativos [durante o auge da pandemia].
A decisão do governo de injetar, agora, mais dinheiro na economia esbarra principalmente nas restrições fiscais da Lei do Teto de Gastos, cuja regra é modificada para atender esse objetivo, levando, contudo, a uma perda de credibilidade fiscal.
O que impacta em inflação, na taxa de câmbio, que se retroalimentam.
A consequência é o reforço da alta da taxa de juros pelo Banco Central, o que pode ter impactado negativamente o governo em termos de popularidade com a introdução de juros elevados no modelo, porque aperto monetário significa lento crescimento econômico e ritmo menor de geração de emprego.
Em relação à inflação, apesar de não haver previsão que continue no atual patamar de 10% ao ano [em 2022], ainda vai ser um pouco persistente.
As mudanças fiscais exigidas para ampliação do programa de transferência de renda podem, por isso, ser menos benéficas para o governo do que se estimava anteriormente, não gerando os efeitos positivos inicialmente esperados.
O presidente Bolsonaro pode, mesmo assim, recuperar alguma popularidade, mas não no nível que poderia obter caso os patamares de taxa de juros fossem mais baixos, o crescimento maior, a inflação mais baixa e sem a expansão e mudança fiscal decidida em outubro.
Inv.com: Qual vai ser a principal pauta das eleições de 2022? Serão marcadas por um sentimento de antipolítica como em 2018 ou pelo fim da fome como foi em 2002? Qual candidato pode ser o mais beneficiado?
Gama: As nossas pesquisas quanti e qualitativas capturam que vai ser uma eleição pautada pela economia. Os eleitores estão pensando em quem vai resolver os problemas diários reais.
Em novembro, 40% dos eleitores respondiam que os temas econômicos eram os principais problemas deles para 2023, e tinham a expectativa de que o próximo presidente resolvesse problemas relacionados a salário, inflação, poder de compra, fome, miséria e desemprego.
É o dobro em relação às pesquisas para as eleições de 2018 realizadas no fim de 2017, quando o primeiro lugar era a corrupção e havia um desejo de mudança.
A combinação de demandas econômicas com o aumento da rejeição do presidente Bolsonaro desde o final de 2020 tem capitalizado a candidatura do ex-presidente Lula como principal depositário desses votos.
Pois há a memória positiva de seu governo para esse eleitor, para quem vale pouco a explicação de conjuntura internacional favorável e de “casa arrumada” quando o ex-presidente governou.
Inv.com: Há possibilidade de algum candidato ser visto como uma mudança a partir da gestão econômica, reformulando a agenda de reformas com aspectos sociais?
Gama: Esse é o desafio. Como um candidato com um programa com boas ideias e equipe consegue traduzir a política pública que ele está formulando de maneira a ser palatável para o eleitor, indo de encontro aos anseios da população?
Essa combinação seja talvez o principal desafio quando se questiona nas pesquisas qualitativas se de fato há espaço para alguém que consiga se mostrar com condição, capacidade e experiência em resolver o problema.
A questão é: como o eleitor, no momento de tomada de decisão, olha para essas candidaturas? Recall, lembrança e identificação parecem fazer sentido para a candidatura de Lula, mais do que para uma candidatura de terceira via.
Dedicamos bastante tempo e esforço para entender de onde poderia surgir uma força de terceira via na cabeça do eleitor. E o espaço hoje parece ser bem estreito. Há um contingente do eleitorado disposto a procurar alternativas, mas que não é tão grande como se pode imaginar.
Inv.com: Por quê?
Gama: Nas pesquisas estimuladas, 68% dos eleitores já dão os seus votos ou para Lula ou para Bolsonaro. É praticamente dois terços do eleitorado na pesquisa estimulada.
Na pesquisa espontânea, sem a apresentação de uma lista de candidatos, 59% das intenções de voto estão divididas entre Lula e Bolsonaro.
E o grau de convicção desse voto também é relativamente elevado. Lula tem 43% dos eleitores dizendo que votariam nele com certeza, enquanto 24% afirmam ter certeza no voto em Bolsonaro. É um patamar relevante de eleitores convictos.
Estamos evidentemente a nove, dez meses até a eleição, tem bastante água para passar debaixo da ponte, mas precisaria de uma força muito grande para uma candidatura de terceira via tirar votos dessas duas.
Inv.com: Qual é o perfil do eleitor de um candidato de terceira via?
Gama: Os eleitores de terceira via não são iguais, que poderiam migrar para a mesma candidatura.
Há um terço nessa terceira via que se posiciona a favor de Ciro, outro terço que se posiciona, grosso modo, a favor de Moro, e o restante dividido entre candidaturas de centro mais liberais como a do Felipe D'Avila (Partido Novo).
Precisaria haver uma combinação nessas diferenças que fortalecesse um único nome contra a candidatura de Lula ou de Bolsonaro.
O que nos parece ser um cenário alternativo que possa permitir o surgimento dessa terceira via seria uma deterioração maior do cenário econômico que impactasse na popularidade de Bolsonaro, que ele chegasse com um percentual de ótimo e bom próximo dos 20% ao invés dos 30%, o que fragilizaria um contingente do eleitorado do presidente devido à situação econômica.
As pesquisas apontam que entre 20% e 30% do eleitor de Bolsonaro se dispõe a votar em Moro como segunda opção, que tem neste momento aproximadamente 10% das intenções de voto.
Moro ganharia, dessa forma, cinco, seis pontos percentuais, e subiria para perto de 15%, 16%. Bolsonaro perderia votos neste cenário e iria para perto de 20%, levando a um equilíbrio entre as duas candidaturas.
Isso é uma projeção, ainda não há condições para o surgimento e a consolidação dessa terceira via, que é dependente de eventos que ainda não aconteceram.
Inv.com: O ex-presidente Lula lidera as pesquisas, com possibilidade de vitória no primeiro turno. Qual seria o perfil de Lula em um eventual terceiro mandato?
Gama: Lula é um político que dá sinais bastantes diversos, para públicos diferentes e geralmente amplos. Ao mesmo tempo em que ele dialoga com setores mais à esquerda do PT, ele tenta algum diálogo com os setores do empresariado.
Parece que ele está dando sinais para o público de esquerda em um primeiro momento, fazendo um trabalho de consolidação nesse grupo.
Vale ressaltar que a esquerda sai da eleição de 2018 com Ciro como uma força e, em 2020, Guilherme Boulos (PSOL) disputa a Prefeitura de São Paulo e emerge também como uma força nesse campo político. E havia o PSB com força em Pernambuco, especialmente em Recife.
O primeiro trabalho de Lula, então, acaba sendo o de tentar conduzir essas forças de esquerda.
Resolvido esse primeiro passo, agora se direciona ao centro da política. A aproximação com ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (sem partido), com a possibilidade de ser o candidato a vice-presidente na chapa de Lula, traduz um pouco isso.
Acho que o mercado aguarda se, a partir disso, vem algum sinal que mostre um caminho em direção a política fiscal mais responsável ou algo do gênero.
Com esse aceno a Alckmin, os sinais que vêm da candidatura do Lula são, por enquanto, de que tentaria ser uma Presidência, mais do que uma candidatura, de diálogo e sem ter uma postura radical de início.
Caso Lula tivesse a ideia de ter uma postura radical, ele não estaria sugerindo a possibilidade de Alckmin ser seu vice. Essa hipótese, por mais que não se concretize, mostra que os acertos estão sendo feitos.
Inv.com: A candidatura Bolsonaro, mesmo com a continuidade de Paulo Guedes no Ministério da Economia em um eventual segundo mandato, permaneceria a representante da agenda liberal, das privatizações, das reformas, mesmo após a modificação das regras fiscais?
Gama: O mercado de alguma maneira sente essa mudança. Os preços dos ativos apontam mais do que fala de gestor ou de economista, e mostraram bastante que o mercado se ressentiu, não somente pontualmente, mas também no longo prazo [com a mudança da âncora fiscal].
É um sentimento de que as regras fiscais tenham entrado em risco. O mercado internalizou isso de alguma maneira.
Em relação ao preço dos ativos, o mercado ainda projeta um eventual segundo governo Bolsonaro com um preço melhor do que um eventual novo governo Lula, pois ainda existe uma dúvida grande sobre os sinais que são dados pelo ex-presidente.
Bolsonaro tentaria dar sequência à parte da agenda setorial, semelhante aos avanços do fim de 2021.
Mesmo com a cabeça do governo nas eleições, os avanços no programa de concessão podem fazer com que o governo Bolsonaro pudesse, eventualmente em um segundo mandato, ter ainda alguns êxitos nesse caminho.
Porém, nas questões macroeconômicas e de arcabouço fiscal, o mercado deu sinais de mudança de posição em relação ao que acreditava em relação ao atual governo em 2019.
Inv.com: Como o mercado avalia as candidaturas de terceira via? Qual candidato será identificado com a agenda liberal de reformas? Os sinais estão no discurso e nos nomes divulgados para a assessoria econômica da candidatura?
Gama: O mercado coloca o Ciro – entre Lula, Moro, Bolsonaro e Doria – como um candidato com uma agenda mais à esquerda, de acordo com nossas pesquisas com o mercado em novembro. Os dois extremos eram Ciro de um lado, e Doria do outro.
Entre Doria e Moro, o mercado faz uma avaliação em duas etapas.
A primeira é em relação à agenda econômica. Os dois se posicionaram com nomes com experiência e com respeito do mercado, no caso do Moro com o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore [Doria anunciou em dezembro uma equipe formada pelo ex-ministro da Economia Henrique Meirelles e pelas economistas Ana Carla Abrahão e Zeina Latif].
A segunda etapa é em relação à capacidade de implementação dessa agenda no Congresso.
Essa é a principal dúvida do mercado de como seria um eventual governo Moro, devido ao ex-juiz não ter tido experiências no Executivo para testar convicções nessa agenda econômica que ele está defendendo, além de ter tido anteriormente uma agenda contrária à política tradicional, refletindo no que seria a governabilidade de seu eventual governo.
E os mesmos aspectos são observados em Doria, que tem duas experiências no Executivo: uma na Prefeitura de São Paulo e outra no governo estadual de São Paulo, neste com uma base ampla de apoio.
Como o mercado tem maior dúvida na governabilidade de um eventual governo Moro e sua capacidade de implementação, a precificação dos ativos na pesquisa que realizamos com o mercado coloca a candidatura Doria com o ganho máximo.
Inv.com: Que papel o ex-presidente Michel Temer pode desempenhar nessa eleição? Especialmente por ele representar o papel de garantia das instituições no país, mas é mal-visto pelo eleitor devido a escândalos de corrupção durante seu governo.
Gama: O ex-presidente Temer pode ter um papel muito valioso a qualquer uma das candidaturas em termos de diálogo e formação de aliança com outras forças políticas. Ele é um símbolo de interlocução, e esse papel pode ser uma força bastante considerável para qualquer candidatura.
É uma força mais interna, para dentro da classe política, de diálogo nesses tempos de articulação, com o Legislativo e o Judiciário.
Não é uma força eleitoral. Ele mesmo reconhece, quando questionado, que lhe falta popularidade para disputar eventualmente um novo mandato.
Temer se fortalece como ativo de diálogo interno do que como ativo de campanha.
Inv.com: Temer pode fazer preço no mercado se ele pelo menos for visto como apoiador ou articulador de uma candidatura? Porque ele também é bem-visto pelo mercado por causa das reformas aprovadas durante o seu mandato.
Gama: Acho que sim e principalmente em um contexto que pode se imaginar algum tipo de atrito institucional mais sério e por falta de diálogo e de capacidade de governar. Ele é um ativo que, independentemente do governo, pode dar uma previsibilidade que o mercado gosta.
Se houver um cenário de dúvida sobre capacidade de governo e de respeito às instituições, a presença dele pode, de alguma maneira, ser vista com bons olhos ou como saneadora de algumas dificuldades.
Inv.com: O mercado já está olhando as eleições?
Gama: Um ponto que talvez o mercado ainda preste atenção até abril é se vai haver outra tentativa de implementação de política de benefício eleitoral, tanto de congressistas como do próprio governo. Como também como o governo lida com oscilações na pesquisa de popularidade. Se eventualmente pode ter algum tipo de carta na manga.
Inv.com: O mercado chega a ter o receio de Bolsonaro implementar políticas de intervenções na economia semelhantes ao do presidente da Turquia, que trocou o presidente do Banco Central para cortar a taxa de juros em meio à inflação elevada?
Gama: Não sei se chega a esse temor. O receio parece ser algo relacionado à reajuste de servidores e o vale-diesel mencionado por Bolsonaro. Seriam intervenções em questões menos estruturantes, com medidas mais pontuais.
E isso depende das próprias declarações do presidente, pois o vale-diesel foi algo que ele próprio falou, assim como reajuste para servidores e pressão para aumento de valor nos programas de transferência de renda no Congresso.