O interesse dos investidores por empresas que realizam boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, no inglês) cresce a cada dia. E isso deixou de ser uma novidade: à medida que o tema ganha mais relevância no mercado financeiro, as companhias buscam adotar cada vez mais essa conduta responsável em suas operações e relacionamentos.
Pesquisa da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio), realizada com com 178 líderes de companhias e startups em operação no Brasil e divulgada em junho de 2021, mostrou que 95% dos entrevistados já iniciaram algum nível de engajamento ESG em suas companhias.
A importância da ação dessas medidas pelas empresas esbarra em diversas problemáticas e mudanças em curso não só no mercado financeiro como também no mundo. De acordo com Fabio Alperowitch, co-fundador da FAMA Investimentos, além de essas práticas gerarem “um mundo melhor”, ou seja, um planeta com maior equilíbrio ambiental e social, elas também ajudam no desempenho e na perenidade das próprias companhias.
Um indício disso foi revelado por um estudo do Morgan Stanley, banco de investimentos norte-americano. Segundo a pesquisa, fundos com características ESG tiveram desempenho melhor que seus pares no primeiro semestre de 2020, período inicial da pandemia da Covid-19.
A análise observou, de janeiro a junho de 2020, o desempenho de mais de 1,8 mil fundos de investimento e fundos de índice (ETFs) nos Estados Unidos e mostrou que o retorno médio de fundos de ações e de renda fixa que seguem critérios ESG superou a rentabilidade de aplicações semelhantes sem esses atributos.
Apesar de o Morgan ter analisado os ativos durante um dos momentos de maior stress do mercado, de forma geral, a boa performance de empresas que têm melhores fundamentos ESG já é uma realidade.
Robert Eccles, professor de economia da Harvard Business School, mostrou em seu artigo “The Impact of Corporate Sustainability on Organizational Processes and Performance” que “as empresas de 'alta sustentabilidade' também têm um desempenho melhor quando consideramos as taxas de retorno contábil, como retorno sobre patrimônio líquido (ROE) e retorno sobre ativos (ROA)”.
“O mundo e o capitalismo estão mudando. A gente está saindo de um capitalismo hostil para um capitalismo stakeholder [que considera as partes interessadas]. Isso é um processo de mudança econômica”, afirma Alperowitch.
“Nós temos em curso, também, uma mudança geracional muito importante. As novas gerações anseiam por esses novos moldes. As empresas que não adotarem essa agenda terão dificuldade para vender seus produtos, reter talentos e viver em um mundo que será cada vez mais geração Z”, completa.
“Para inglês ver”
O problema, mesmo, é quando a empresa decide adotar essas práticas “para inglês ver”. Isto é, utiliza os fundamentos ESG apenas como uma máscara para atrair investimentos ou ganhos de imagem. Isso tem até um nome: “greenwashing” – prática que consiste em se associar a atributos de sustentabilidade ambiental ou social sem que a companhia persiga, de fato, uma evolução em todos os aspectos da agenda ESG.
“As empresas não são obrigadas a mostrar suas performances de sustentabilidade. Os dados são seletivos, elas mostram o que elas querem e não mostram o que não querem. É muito comum que elas disponibilizem o que é bom e deixem de fora o que é ruim”, explica Alperowitch.
“Por exemplo, uma companhia tem no cargo de liderança metade homem metade mulher e mostra isso, mas é toda branca, aí esse aspecto ela não mostra, e assim sucessivamente”, diz.
Esse fator impacta diretamente as referências do mercado financeiro para as companhias. Na opinião de Fabio, os índices de sustentabilidade, que costumam medir o grau de práticas ESG das empresas, podem não ser ferramentas muito confiáveis para esse tipo de avaliação.
“Os índices coletam essas informações quantitativas e fazem suas comparações. Mas essas informações são totalmente enviesadas. Essas comparações são feitas desconsiderando as questões regionais também”, afirma o especialista.
Para ele, o despreparo tanto do público em geral quanto dos investidores são os temperos perfeitos para as empresas realizarem o greenwashing: “o público com o qual a empresa dialoga para fazer esse greenwashing é um público despreparado. Até os investidores que são da área entendem muito pouco do assunto. São questões muito novas e complexas”.
O cenário atual, como lembra o especialista, anseia pelo ESG. As medidas viraram uma espécie de pré-requisito para o mercado financeiro. A empresa que não tem boas práticas ambientais, sociais e de governança são, de certa maneira, “excluídas”, o que alimenta ainda mais o greenwashing.
“Até dois anos atrás uma empresa ser ou não sustentável não fazia muita diferença para a Faria Lima [avenida na cidade de São Paulo que concentra muitas empresas do mercado de capitais]. Agora, as empresas que se mostram como não sustentáveis provavelmente vão ser canceladas de vários portfólios. Existe, então, uma corrida para empresas mostrarem esse lado de sustentabilidade”, comenta Fabio.
Como saber se meu investimento é ESG mesmo?
O especialista ressalta que “não tem uma maneira fácil” de determinar se o investimento é ESG de verdade. Porém, ele destaca que o investidor tem algumas ferramentas à sua disposição para averiguar o fato. O conselho dele é buscar informações sobre as companhias para verificar se elas têm uma trajetória consistente nessa área, e se seu discurso é, de fato, coerente com suas práticas.
“A empresa está fazendo uma determinada ação ambiental ou social? Como ela se portou em relação a isso no ano passado ou há 5 anos? Isso está em linha com tudo que ela já fez?”.
“Também tem o ponto da materialidade. Se uma mineradora fala que vai ter 50% de mulheres na alta direção, é legal, claro, mas o maior problema das mineradoras não é esse, é a segurança no trabalho. Para cada empresa e setor, o investidor deve tentar entender o que é mais material e cobrar da companhia isso”, diz.
Alperowitch também chama atenção para as ações que não tem relação com o core business da empresa. Ou seja, aquelas medidas que não são muito relevantes em relação aos principais impactos de suas operações no meio ambiente ou na área social.
“Se uma empresa de moda anuncia que vai lançar uma linha de tênis de plástico coletado do oceano, ótimo. Mas isso significa quanto da receita? 0,2%? E os outros 99,8%? O fato de ter lançado essa linha de tênis não faz da empresa mais sustentável, faz dela mais oportunista”, explica.
“O problema do greenwashing é que ele não é uma mentira, e, sim, que ele não conta a história toda”, lembra.