Nos últimos meses, você deve ter escutado bastante sobre a reforma tributária. Muitos especialistas do mercado, da economia e da política apontam essa reforma como essencial para o Brasil.
Mas, afinal, o que é essa reforma? Ela está no Senado ou na Câmara? O que, de fato, ela altera? Se você tem essas e outras dúvidas sobre o assunto continue lendo esta matéria, pois a SpaceMoney vai tentar simplificar o assunto para você.
O que é a reforma tributária?
A reforma tributária é um tipo de mudança político-econômica que visa à reestruturação legislativa de impostos, taxas e outras contribuições vigentes em um país. Um dos objetivos é tornar o sistema de tributação mais moderno e igualitário para atender à realidade do país.
Até o dia 10 de setembro, havia duas propostas de emenda constitucional (PEC) sobre a reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional:
- PEC nº 110/2019: está em análise no Senado. É resultado do trabalho do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Entre as propostas, está a unificação de nove impostos para a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Se aprovada, reduzirá a taxação sobre o consumo e aumentará a tributaçãosobre a renda, a exemplo de salários e bens.
- PEC nº 45/2019: tramita na Câmara. É proposta pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), foi elaborada pelo economista especializado em tributação Bernard Appy e conta com o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Sugere unificar os impostos municipais, estaduais e federais também em um IVA.
Paralelamente às PECs, diferentes propostas isoladas, que poderiam ser incluídas na reforma tributária, têm sido divulgadas por membros do governo e por diferentes partidos políticos. No dia 11 de setembro, o Ministério da Fazenda declarou, em nota oficial, “que não há um projeto de reforma tributária finalizado. A equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções, simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento”. No entanto, não havia data definida para a divulgação da proposta do Executivo.
Na opinião do advogado tributário e mestre em Direito Tributário pela USP Ricardo Lacaz, a possível proposta articulada pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é a mais atraente. “Pelo que vemos nos discursos do ministro, ela [a proposta] sugere unificar apenas os impostos federais em um IVA, consequentemente, dando liberdade para estados e municípios decidirem sobre seus impostos. Claro que há pontos negativos também”, diz Lacaz, se referindo a uma possível nova taxação sobre movimentações financeiras, inspirada na Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), que vigorou entre 1997 e 2007.
Qual é o cenário atual?
O cenário atual é de preparação e espera. Segunda a Agência Senado, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), atual relator da reforma tributária no Senado, disse que vai apresentar até o dia 15 de setembro o relatório da reforma tributária (PEC 110/2019) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ).
Já a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), declarou que o colegiado pode concluir a votação da PEC 110/2019 até 25 de setembro. Segundo ela, Rocha está com o parecer pronto e aguarda apenas uma posição do governo.
Da mesma forma, segundo Tebet, a urgência da reforma tributária é consenso entre parlamentares de governo e oposição. “Reforma tributária que não aumente imposto, que desburocratize e unifique impostos tem apoio da unanimidade dos líderes”, afirmou.
Demora do governo
Durante o Fórum Nacional Tributário e em uma entrevista à rádio Jovem Pan, o senador do PSL Major Olímpio disse que Guedes selou um acordo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, estabelecendo que “o protagonismo, neste momento, na reforma tributária, será do projeto do Senado”.
Por esse motivo Guedes ainda não teria enviado a proposta do governo para a Câmara.
Para Lacaz, o governo está sendo cauteloso porque estuda o melhor momento e melhor maneira para apresentar sua proposta à Câmara e ao Senado.
Qual é a importância da reforma?
Segundo o gerente de projetos da Ipê Avaliações, Leandro Botelho, a reforma deve, como resultado, facilitar o sistema tributário do país. “Atualmente nós temos os impostos municipais, estaduais e federais divididos. Cada um possui regras próprias. As diversas regras tornam o processo de cálculo de impostos mais complexo e burocrático”, analisa.
“A ideia principal é, basicamente, como resultado, racionalizar todos os impostos e procurar reduzir os custos do processo de cálculo. As empresas gastam muito no setor de compliance e contas”, afirmou. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a indústria no país gastou R$ 37 bilhões, em 2018, para calcular e pagar tributos.
Vale lembrar que as diversas propostas para a reformas tributária não têm, na sua essência, o objetivo de aumentar ou reduzir a carga tributária, mas, sim, simplificar e ajustar o sistema, tornando-o mais eficiente e igualitário.
Qual setor será afetado por ela?
A ideia da proposta é gerar uma neutralidade tributária, ou seja, não interferir na carga tributária, mas no sistema de tributação. Mas, na opinião de Botelho, é muito difícil que isso ocorra. “Alguns setores vão ser prejudicados e outros beneficiados por ela. No cenário atual, é muito provável que o setor da Indústria e da Produção, que, geralmente, possuem margens mais apertadas, sejam favorecidos”, afirmou.
Botelho explicou que esses setores podem ser beneficiados à medida que os impostos passem a incidir sobre o valor adicionado, e não mais sobre as receitas. “A Indústria tem receita altíssima, mas em contrapartida possui custos altos. Com as mudanças elas pagarão a carga tributária apenas em seu valor, e não na receita”, explica.
Seguindo raciocínio parecido, o advogado tributarista Ricardo Lacaz aponta que algumas mudanças previstas na PEC 45/2019 e na PEC 110/2019 poderiam prejudicar os prestadores de serviços e os setores de Construção Civil, Saúde e Educação.
E no mundo dos negócios? O que muda?
“Atualmente, para as empresas, é muito caro manter um sistema de cálculo e pagamento de impostos. Especificamente para as empresas menores, uma reforma seria muito benéfica. Com a mudança, as empresas não vão precisar gastar tanto nesse sistema e, assim, poderão alocar parte dos seus recursos para outros setores”, afirma Botelho.
Além disso, quando falamos de negócios e empresas, é muito comum escutarmos que o que dificulta esse setor no Brasil são os tributos altos, mas afirmar isso pode ser um equívoco.
Segundo a “Análise por Tributos e Base de Incidência de 2017”, realizada pelo Ministério da Fazenda*, quando se compara a tributação por base de incidência, observa-se que, para a base Renda, o Brasil tributa menos que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – organização de países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Produto Interno Bruto (PIB).
Carga Tributária no Brasil x OCDE
Além disso, é possível encontrar outros gráficos que mostram que o Brasil está na média de impostos sobre renda, salário, bens e serviços.
Imposto sobre renda Brasil x OCDE
Tributo sobre salário Brasil x OCDE
Tributação sobre bens e serviços Brasil x OCDE
Por outro lado, o estudo “Carga Tributária no Mundo – Um comparativo Brasil X Brics”, de 2016, mostra que o país é o que tem a maior carga tributária entre os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), o grupo dos países emergentes. Naquele ano, o total de impostos, tributos e contribuições recolhidos no Brasil era de 34% do PIB, enquanto na Índia correspondia a 12,1% do PIB.
“Quando comparamos a cobrança tributária entre países devemos levar em consideração outros fatores, como a qualidade de vida e o déficit fiscal. Entretanto, se compararmos com os países desenvolvidos, creio que o problema é que, no Brasil, o sistema tributário é mal feito. É cobrado desproporcionalmente, de uma maneira que incide mais sobre a população pobre”, opina Botelho
*As comparações dos valores de carga tributária nacional com as de outros países devem ser feitas com ressalvas, pois algumas espécies tributárias existentes em um país podem não existir em outros. Um exemplo é a previdência, que em alguns países é privada, não fazendo parte da carga tributária. As diferenças metodológicas também são importantes fatores a serem considerados. Por exemplo, em algumas compilações os tributos específicos incidentes sobre o setor de combustíveis não são computados como receitas tributárias. No entanto, a título ilustrativo, o gráfico apresenta uma comparação entre a carga tributária nacional e a de alguns países da OCDE para o ano de 2016.
Afeta meus investimentos?
“A mudança não trará impactos diretos sobre os investidores. Já o fluxo de capitais pode sofrer uma alteração, mas muito pequena”, compartilha Botelho.
Vamos imaginar o seguinte cenário: a reforma é aprovada. Com isso, há aumento da previsibilidade, ou seja, maior certeza quanto a rentabilidade de um investimento. “Não faz uma diferença absurda, mas torna o Brasil um pouco mais atrativo, principalmente para os investidores estrangeiros. A lei brasileira é difícil para eles. Se a reforma é aprovada, eles não vão mais arcar com custos de consultoria tributária. O processo para que eles invistam aqui será muito mais fácil, porque as regras estarão mais claras”, explica.
Em relação ao mundo das ações, portanto, é difícil colocar uma relação direta entre a valorização e a desvalorização de um papel de uma empresa com a reforma. A expectativa é de que a mudança tributária não vai influenciar o mercado financeiro de forma muito relevante no curto prazo. O efeito seria institucional e de longo prazo.
Quais são os pontos mais problemáticos da atual política tributária?
Botelho e Lacaz apontaram como crucial o ajuste do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Ele é o imposto que permite a liberdade aos estados para determinarem o valor de seus impostos individuais, o que às vezes gera guerra de impostos entre estados.
“Os estados querem atrair atividade comercial. Assim, alguns deles oferecem impostos mais baixos, o que causa uma arrecadação mais baixa e, às vezes, prejudicial”, explica Botelho.