Por Agência EY – “As mulheres precisam ter independência financeira para ter autonomia.” Com esse lema, a publicitária e empreendedora Ana Fontes trabalha – e muito – para empoderar mulheres aconquistar autonomia e, assim, impactar outras mulheres.
Em 2010, Anacriou a Rede Mulher Empreendedora (RME), a primeira organização de apoio ao empreendedorismo feminino do Brasil e atualmente a maior da América Latina.
Ao longo desses 11 anos, a RME impactou a vida de nove milhões de mulheres por meio de programas de capacitação, mentoria e workshops. Atualmente, quase um milhão acompanha as plataformas da rede.
“Só em 2020, com a crise da Covid-19, viabilizamos mais de R$ 30 milhões em programas de geração de renda”, conta Ana Fontes.
Nascida em Igreja Nova, Alagoas, Ana mudou-se para São Paulo na década de 1970 com a mãe e cinco irmãos. Formou-se em Publicidade e, após dezessete anos no mundo corporativo e desanimada com a discriminação de gênero vivenciada ao longo desses anos, decidiu empreender.
Seu primeiro negócio foi uma plataforma chamada ElogieAki, em que consumidores podiam fazer elogios a estabelecimentos. Paralelamente, foi para a segunda empreitada: um espaço de coworking. Entretanto, os negócios não vingaram.
Em 2009, Ana foi selecionada para participar do “10.000 Mulheres”, da FGV/Goldman Sachs, um programa global do banco de investimentos que proporcionava educação em administração e gestão de negócios a mulheres empreendedoras.
Apenas 35 mulheres foram selecionadas entre as mil inscritas. Incomodada com o fato de a grande maioria ficar de fora, Ana teve a ideia de criar um blog sobre os receios, as dúvidas e as dificuldades do empreendedorismo feminino.
Ela percebeu, então, que esses questionamentos eram compartilhados por outras mulheres, que também buscavam ajuda e apoio. A Rede surgiu para suprir essa lacuna.
Em 2017, ampliou seus objetivos e criou o Instituto Rede Mulher Empreendedora, focado na capacitação de mulheres em situação de vulnerabilidade. “Faz uma diferença enorme você participar de programas de apoio”, destaca Ana.
Em 2013, ela participou também do Winning Women Brazil, da consultoria EY. O programa de mentoria, cujas inscrições para a turma 2022 estarão abertas a partir de 19/11, proporcionou a ela dar direcionamento à Rede.
“A Rede estava crescendo e esse programa foi fundamental, porque eu tinha dificuldade de entender qual seria o melhor caminho. Não tinha muita clareza na época do modelo de negócio”, completa.
Em entrevista à Agência EY, Ana Fontes conta como ajudou mulheres empreendedoras durante a pandemia de Covid-19 e o que espera para o futuro com a Rede Mulher Empreendedora.
EY: Qual foi o impacto da pandemia para as mulheres?
Ana Fontes: A pandemia foi ruim para qualquer pessoa, mas especialmente difícil para as mulheres. Mesmo as que puderam fazer home office tiveram dificuldades para conciliar o trabalho com as demandas domésticas e os filhos. E a maioria teve de continuar trabalhando sem o apoio de creches ou da família.
Outro aspecto importante é que as mulheres foram as mais demitidas durante a pandemia, junto com os jovens. Hoje, nós chegamos a um nível de empregabilidade das mulheres semelhante ao que tínhamos 30 anos atrás. Regredimos no que diz respeito a emprego.
E um terceiro aspecto é a questão de violência doméstica, infelizmente acentuada pelo fato de as pessoas ficarem mais em casa. Esse não é umproblemasó no Brasil. Foi mundial.
EY: E para as mulheres empreendedoras? Qual foi o impacto?
AF: O impacto foi muito ruim para os pequenos empreendedores deumaforma geral. Mas, para as mulheres, houve um ingrediente adicional: quase 70% delas empreendem no que a gente chama de áreas de conforto para a mulher. Moda, beleza, alimentação fora de casa, estética, por exemplo. Exatamente as áreas mais afetadas nos pequenos negócios.
Fizemos uma pesquisa no ano passado e mais de 85% das mulheres disseram que tiveram o faturamento fortemente afetado. Infelizmente, o Brasil não adotou políticas públicas para ajudar essas mulheres com financiamentos específicos ou linhas de crédito. Também não adotou políticas de compras inclusivas.
Por outro lado, sem querer minimizar o problema, o que percebemos foi que a importânciadonegóciopara essas mulheres fez com que elas fossem à luta e buscassem soluções para mantê-los ativos.
EY: O que fez essas mulheres insistirem em seus negócios?
AF: Para quase 40% dessas mulheres o negócio é a única ou a principal fonte de renda da família. Se ela o perdesse, perderia a forma de colocar dinheiro em casa. Ela buscou uma inovação.
Quando falo de inovação, não falo só de tecnologia nem de criar coisas novas. Temos mulheres que fazem bolo e mudaram o tamanho do bolo. As clientes estavam consumindo de forma diferente porque estavam com as famílias em casa.
Temos mulheres com salão de beleza que passaram a entregar kits de tinturas de cabelos para outras mulheres. É esse tipo de pequena inovação que a gente valoriza muito.
EY: Como a Rede Mulher Empreendedora se adaptou à nova realidade com a pandemia?
AF: Primeiro, tivemos de mudar completamente nosso modelo de negócio, já que mais de 90% das mentorias, eventos, capacitações e treinamento eram presenciais até fevereiro de 2020.
De repente, nós, como organização, fomos levados a repensar nosso modelo para atender essa demanda. Passamos a produzir conteúdo muito focado na necessidade dessas mulheres, como organizar as finanças, diminuir o endividamento, fazer o desligamento de um colaborador de forma menos traumática, como transformar o negócio em digital, entre outros.
Alguns desses programas que criamos no ano passado estão até hoje, como o RME Digitaliza. Passamos a atuar em função das necessidades delas.
EY: Quantas mulheres empreendedoras vocês atenderam durante o período mais crítico da pandemia?
AF: No ano passado, atendemos, de maio a outubro, mais de 25 mil mulheres com mentorias.Atendemosde maneira individualpara entender qual era a dificuldade. Selecionamos um grupo de mentoras para que tivessem uma mão amiga, uma voz solidária que pudesse dar uma recomendação.
Isso foi fundamental para essas mulheres buscarem um equilíbrioou, pelo menos,a manutenção dos negócios.
Para as mulheres em vulnerabilidade social, tivemos de trabalhar pesadamente em geração de renda.Tantoé que, no ano passado, trabalhamos muito fortemente em programas de geração de renda.
EY: Quais foram esses programas?
AF: Um deles, Heróis Usam Máscaras, foi um programa desenvolvido em parceria com oos bancosBradesco (BBDC4), Santander (SANB11) e Itaú (ITUB4). Eles fizeram uma doação ao Instituto da Rede de R$ 38 milhões.
Com esse recurso, produzimos, durante cinco meses, 12 milhões de máscarascom 6,5 mil mulheres, de Norte a Sul do Brasil.
Selecionamos 60 organizações sociais, treinamos essas organizações, que passaram pelo nosso crivo legal e pela avaliação de compliance dos bancos e foram habilitadas a produzir e a recrutar as costureiras.
Nós fizemos um levantamento – e, inclusive, esse projeto virou um case para nós -: geramos em média R$ 3 mil em renda para essas 6,5 mil mulheres.
Esse projeto gerou ainda renda para a organização social local, para a costureira, para o fornecedor de tecido, elástico e linha, além de um impacto social, porque todas as 12 milhões de máscaras produzidas foram doadas para 200 organizações receptoras do projeto, como Médicos sem Fronteiras, Cruz Vermelha, Graacc, Cufa etc. Foi um projeto de ponta a ponta, com um impacto muito importante.
Outro projeto significativo que ainda está ativo é o Potência Feminina, em parceria com o Google. É um projeto como se fosse um funil. Capacitamos 50 mil mulheres.
Parte delas recebe uma aceleração dos negócios com mentoria e acompanhamento e algumas são escolhidas para receber capital semente e recurso financeiro.
EY: Vocês estão planejando a continuidade de projetos como esses que ajudam as mulheres em situação de vulnerabilidade?
AF: Não sabemos como vai ser daqui para frente. Se as empresas vão continuar com esse apetite social. Essa é uma grande incógnita. A gente espera e torce que sim, porque o trabalho que a gente faz tem relevância para essas mulheres.
Continuamos trabalhando, buscando mais organizações que queiram investir em geração de renda para mulheres em vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, trabalhando para aquelas que buscam treinamento, conteúdo, capacitação e recurso financeiro.
EY: Quantas mulheres já foram capacitadas desde que a Rede foi criada?
AF: Nós impactamos a vida de 9 milhões de mulheres por meio dos programas de capacitação, mentoria e workshops. Atualmente, temos quase um milhão de mulheres nos acompanhando constantemente nas nossas plataformas.
Somente em 2020, conseguimos viabilizar mais de R$ 30 milhões nesses programas de geração de renda. Trabalhamos muito para que os projetos gerem recurso para a ponta.
Obviamente, temos um trabalho operacional, logística, contratação de pessoas para executar tudo isso, mas temos um cuidado muito grande nos nossos projetos para que a maior parte do recurso seja aplicado na ponta. Esse é o nosso grande foco.
Agora na pandemia, com os cursos que a gente vem fazendo, só nos últimos meses, com programas de capacitação, conseguimos impactar mais de 260 mil mulheres.
EY: Quais as características das mulheres que procuram vocês para os programas de capacitação?
AF: Temos um movimento crescente desde a pandemia de mulheres que querem empreender porque foram empurradas para o empreendedorismo ao perder o emprego e a renda.
Existe um outro movimento, o mais triste, é que estamos lidando com mulheres cujas famílias chegaram a uma situação de insegurança alimentar, o que nada mais é do que a fome. Não ter alternativas de gerar renda.
Nosso foco é ajudar essas mulheres na geração de renda, seja por meio de emprego ou empreendedorismo. Nosso foco maior é empreendedorismo, mas também trabalhamos a questão da empregabilidade. Temos alguns programas para ajudar essas mulheres a se prepararem para o mercado de trabalho.
EY: Qual é o perfil da mulher empreendedora?
AF: Temosdesde mulheres com negócios pequenos, como bolo no pote, atéaquelas que têmfaturamento de R$ 3 milhões. O perfil geralé: 70% são mães, têm dificuldade de buscar crédito, boa parte trabalha sozinha, quase 40% têm o marido como sócio, mas não necessariamente ele é atuante.
O lado bacana é que, quando têm de empregar, elas escolhem outras mulheres, e isso cria um círculo positivo. O impacto social de mulheres dando certo nos negócios é a melhoria na educação dos filhos, é a melhor condição da família, a geração de emprego para outras mulheres.
Quando uma mulher dá certo numa localidade, ela gera um impacto naquela localidade.
EY: Você participou dos programas “10 mil mulheres” e “Winning Women”, da EY. Como você avalia a importância de um programa de mentoria que ajude essas mulheres?
AF: Fundamental. O “10 mil Mulheres” foi o gatilho para eu abrir a Rede Mulher Empreendedora em 2010. Eu não seria essa empreendedora que eu sou hoje. Acessar o programa Winning Women, quando a Rede estava crescendo, foi fundamental.
À época, eu não tinha muita clareza do modelo de negócio e tinha dificuldade de entender qual seria o melhor caminho. Eu queria muito fazer um negócio que fosse inclusivo e que não cobrasse nada das mulheres, e todo mundo era contra esse modelo.
O apoio de minhas mentoras, na época da EY, foi muito importante. Faz uma diferença enorme você participar de programas de apoio. Falo muito isso aqui na Rede, até porque o volume de mulheres que a gente atende é muito importante para dar cada vez mais acesso.
EY: O que você recomenda para as mulheres que querem empreender?
AF: Não tem fórmula para empreender, mas tenho algumas dicas que acredito ser fundamentais e que eu daria para mim há 14 anos: Comece pequeno. Se a ideia é vender bolo, comece a fazer bolo dentro da sua casa e veja se as pessoas vão comprar. Não abra uma loja logo de cara.
Faça parte de redes de apoio – não só da Rede Mulher Empreendedora, mas de qualquer rede de apoio. Empreender é muito solitário e quanto mais gente você tiver para trocar ideia, melhor.
O terceiro ponto é: procure um mentor ou mentora. Seja cara de pau e acione sua rede de contatos. Procure alguém que já passou pela jornada empreendedora e que pode te ajudar dando um conselho, uma recomendação abrindo uma porta. Tive várias pessoas na minha jornada que me ajudaram muito com isso.
A quarta coisa é buscar conhecimento. Tem de se capacitar. Hoje, com acesso à internet e a disponibilidade de cursos e programas gratuitos, dá para fazer.
E, por último, é preciso trabalhar sua saúde emocional. Empreender é uma montanha russa. Perdi a conta da quantidade de vezes em que fui dormir falando “amanhã eu vou fechar”, então acordei e falei “não, vou tentar mais um dia”. Portanto, precisa ter muita resiliência.
O ambiente empreendedor está muito glamourizado. As pessoas têm vergonha de falar dos erros. Os maiores aprendizados que eu tive foram nos meus próprios erros e com os de outros empreendedores. Converso muito com outros empreendedores e falo dos meus erros.
EY: O que você planeja para o futuro?
AF: Quero ver meu trabalho como política pública. Acredito, de verdade, que o meu trabalho, o da Rede, e de outras organizações sociais, são fundamentais para a gente diminuir a desigualdade social. O Brasil é o sétimo país mais desigual do planeta.
Temos 20 milhões de pessoas que acordam todos os dias sem saber o que vão comer. Isso é desigualdade. Meu sonho é continuar valorizando o trabalho que a gente faz na Rede, mas empurrando como política pública.
A gente não consegue mudar um país com 240 milhões de pessoas sem políticas públicas de inclusão. Temos um impacto gigantesco.
Somos a maior organização da América Latina de apoio a mulheres, mas a gente não consegue mudar uma situação de 240 milhões de pessoas sem política pública para mulheres.