Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), nosso planeta, que é coberto em 70% por água, tem a maior parte dessa água formada por oceanos (97%), enquanto a água doce representa apenas 3% do total. Dos 3% de água doce, 2,5% estão nas geleiras do planeta e, dos 0,5% restantes, a maior parte está nos aquíferos subterrâneos, com difícil acesso. Apenas 0,04% da água disponível no planeta está na superfície, em rios, lagos e reservatórios, com fácil acesso pela população.
Além de ser um recurso escasso, a água está distribuída de forma desigual pelas diversas regiões do planeta, se apresentando com abundância em apenas dez países do globo: Brasil, Rússia, Canadá, EUA, China, Colômbia, Indonésia, Peru, Índia e Myanmar.
O planeta possui água em abundância, mas ela não está facilmente disponível, sua distribuição é desigual e assegurar o acesso à água implica altos custos. Em consequência disso, estudos feitos pela ONU nos mostram que cerca de 10% população mundial não têm acesso a uma quantidade mínima de água potável para consumo diário e grande parte do mundo já enfrenta problemas de escassez hídrica ou tem risco de enfrentar períodos de escassez nos próximos anos.
No mundo, 70% da água consumida é utilizada para irrigação e outros fins no setor de agricultura, 22% para indústria e apenas 8% para consumo humano. Em países industrializados, esse quadro muda um pouco, com mais água alocada na indústria e menos na agricultura. No Brasil, utilizamos 72% da água para agricultura; 9% para uso animal; 6% na indústria; e 10% para uso humano, segundo relatório de 2015 da Agência Nacional de Águas (ANA).
Várias agências das Nações Unidas já alertaram que a mudança climática vai tornar a disponibilidade de água menos previsível em alguns lugares. A previsão é que o aumento das temperaturas e chuvas mais variáveis reduzam a produtividade das culturas em muitas regiões em desenvolvimento, onde a segurança alimentar já é um problema, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, com base nas tendências existentes, a escassez de água em alguns lugares áridos e semiáridos causará o deslocamento de dezenas de milhões de pessoas até 2030. Muitas áreas altamente carentes de água estão em zonas de conflito, e esse recurso pode ser um fator que contribui para os mesmos. Essas áreas incluem Israel, Líbia, Iêmen, Afeganistão, Síria e Iraque.
Muitos países que precisam absorver um grande número de pessoas deslocadas por esses conflitos, como a Jordânia e a Turquia, também sofrem muito com o estresse hídrico.
Países que não são particularmente sujeitos a estresse hídrico são vulneráveis à ocorrência de secas, dependendo do nível de precipitações. As mudanças climáticas poderão afetar de forma significativa essas regiões. Moldávia, Ucrânia e Bangladesh, por exemplo, são definidos como países de baixo a médio nível de estresse hídrico, mas estão no topo do ranking de países expostos a riscos de secas, motivadas pelas mudanças climáticas.
Cingapura é um exemplo de país que adotou políticas públicas para enfrentar esse problema. O governo daquele país construiu um abastecimento de água sustentável denominado de Quatro Torneiras: importações de água; um sistema de grandes proporções de coleta de água; água recuperada; e água dessalinizada. Israel é outro líder mundial em tecnologias avançadas de água e gerenciamento do recurso.
Em nosso grande conjunto de bacias hidrográficas estima-se que escoem, em média, 260 mil m³/s de água, dos quais 30% estão disponíveis superficialmente. Essa distribuição não é uniforme, há uma grande variação entre as diferentes regiões brasileiras e as estações do ano. A região Norte, por exemplo, é responsável por 83% da disponibilidade hídrica superficial do Brasil e concentra apenas 8,6% da população brasileira, segundo dados da ANA.
Por outro lado, as cidades com maior concentração humana e, consequentemente, com maiores demandas por água estão localizadas em outras regiões do Brasil, principalmente na faixa litorânea, concentradas nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul.
Se por um lado evidenciamos regiões brasileiras com problemas de disponibilidade de água, por outro lado observamos uma crescente demanda por esse recurso natural. De acordo com o relatório da ANA, a demanda por uso de água no Brasil cresceu 80% nos últimos vinte anos e apresenta uma projeção de crescimento de 30% até 2030.
Aqui no Brasil já começamos a sentir os efeitos das mudanças climáticas, com a maior seca dos últimos 80 anos na região Sudeste e a maior cheia da história do estado do Acre, com o nível do rio de mesmo nome subindo mais de 18 metros e alagando tudo a sua volta, no ano de 2015.
A seca que a região Sudeste do Brasil atravessou trouxe impacto direto a dois setores econômicos de extrema importância: energia elétrica e saneamento. Os principais reservatórios da região sofreram impacto significativo na acumulação de água e a geração de energia elétrica foi comprometida, aumentando a dependência de outras fontes de geração de energia, como a energia térmica, elevando assim os custos de geração. No setor de saneamento, o abastecimento de água ficou comprometido, fazendo com que os governos estaduais lançassem uma campanha de consumo consciente de água. Além disso, acendeu a luz vermelha para o risco de racionamento, tanto de energia como de água, o que afeta indiretamente importantes setores econômicos da economia brasileira.
Embora seja difícil quantificar o impacto macroeconômico de restrições ao consumo de água, é possível afirmar que a crise hídrica trará mudanças comportamentais e, possivelmente, no arcabouço regulatório.
Atualmente, a exemplo de outros países desenvolvidos, algumas bacias hidrográficas brasileiras já cobram pela utilização da água. Instituída pela Lei nº 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos), a cobrança não é um imposto, mas uma remuneração pelo uso de um bem público. À medida que essa política seja estendida para todo o território nacional, teremos uma alteração na estrutura de custos de setores intensivos no uso da água, com a elevação dos mesmos.
Dentre os grupos setoriais presentes no Brasil, cinco são responsáveis por 83% da demanda de consumo, segundo o relatório Água na Indústria, elaborado pela ANA. São eles: fabricação e refino de açúcar e álcool, fabricação de celulose, abate e fabricação de produtos de carne, e siderurgia. Os setores de celulose e siderurgia, no entanto, apresentam alto grau de reutilização de água em seus processos produtivos.
A agricultura é a atividade econômica que mais utiliza água e ao mesmo tempo, é a que mais desperdiça: segundo o Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), quase metade de toda a água empregada no campo é desperdiçada e, caso o meio rural diminuísse o consumo em 10%, o volume seria suficiente para abastecer duas vezes a população mundial.
Atualmente, grande parte dos processos de irrigação são por aspersão, desperdiçando quase 50% do volume de água utilizada. Essa atividade econômica vai passar por transformações profundas nos próximos anos, em que o investimento na substituição dos sistemas de irrigação será prioritário. Métodos como o gotejamento e a microaspersão deverão substituir os sistemas atuais, contribuindo para a redução do consumo. O investimento na substituição dos sistemas só se tornará viável a partir da cobrança do uso da água.
Outro setor que deverá passar por mudanças profundas é o de carne. A pegada hídrica* média global de um quilo de carne bovina é de 15,5 mil litros de água. A conta matemática realizada para conhecer essa pegada leva em consideração a água que o gado bebe e, também, a usada na produção dos seus alimentos, no processo de abate e, até mesmo, na limpeza dos currais.
Por esse motivo, entre outros, como as emissões de gases de efeito estufa decorrentes da atividade pecuária, a preocupação com o bem-estar animal, o desmatamento de florestas e as mudanças de hábitos alimentares das pessoas, vemos grandes produtores mundiais de carne, como a Tyson Foods, diversificarem seus investimentos para start ups como a Beyond Meat, empresa produtora de carne vegana, e a Memphis Meats, empresa do setor de lab meat. A Beyond Meat faturou US$ 100 milhões em 2018 e é precificada na Nasdaq por US$ 10 bilhões; já a Brasil Foods faturou US$ 12 bilhões no mesmo período e é precificada na B3 por US$ 8 bilhões.
*Pegada hídrica é uma medida que calcula o consumo direto e indireto na produção de alimentos e é calculado pela Water Footprint, organização internacional sem fins lucrativos.