Por José de Castro, da Reuters – O recrudescimento da crise político-institucional e seus potenciais efeitos fiscais têm deprimido ainda mais a visão do estrangeiro sobre a taxa de câmbio brasileira, em meio a uma ampla expectativa de volatilidade adicional apesar da possibilidade de juros mais altos.
O gosto das posições em real ficou mais amargo no começo da semana passada, na esteira da escalada da contenda política após o presidente Jair Bolsonaro atacar ministros do STF e ameaçar descumprir ordens judiciais ao discursar a apoiadores no 7 de Setembro.
A reação dos mercados no dia 8 foi péssima, o que acionou o botão de alerta no governo. No dia seguinte, o chefe do Executivo divulgou carta à nação na qual disse que nunca teve "intenção de agredir quaisquer dos Poderes".
No mesmo dia 9, o mercado consumiu parte do prêmio de risco acumulado. Mas a sensação de insegurança não apenas se manteve, mas foi a patamares mais elevados, com temores de "aventuras fiscais" por parte do governo.
Dados da CFTC (agência dos EUA) que incluíram movimentações semanais até dia 7 mostraram que especuladores venderam contratos de real na Bolsa Mercantil de Chicago no ritmo mais forte em sete meses, com o saldo indo ao patamar mais baixo desde 1º de junho.
"Qualquer ameaça ao teto de gastos ou a potencial criação de brechas provavelmente pressionariam os ativos locais. A tensão política dificulta a cooperação entre os Poderes e também pode reduzir o ritmo de avanço das reformas", disseram Roberto Secemski, Juan Prada e Sebastian Vargas, do Barclays, em relatório.
Para eles, já nos três meses finais de 2021 a divisa brasileira poderá ficar sob pressão devido à incerteza tripartite fiscal, política e econômica. Com esse pano de fundo, os profissionais avaliam que o dólar pode voltar a operar perto do topo de seu recente intervalo de oscilação.
Os picos mais recentes do dólar foram de cerca de 5,32 reais e 5,42 reais (considerando taxas de fechamento). A cotação no mercado à vista estava em torno de 5,25 reais no começo da tarde desta quarta-feira. De acordo com dados da Refinitiv, o real há tempos é a moeda emergente com maior volatilidade implícita.
"O cenário político dominará o sentimento a partir do segundo trimestre de 2022, antes das eleições de outubro. Esperamos um aumento significativo na incerteza, juntamente com fraqueza do real no terceiro trimestre de 2022", disseram.
O Bank of America elevou a projeção para o dólar ao fim deste ano a 5,10 reais, de 5,0 reais, devido à escalada do risco em Brasília.
Além dos já conhecidos receios político-fiscais, profissionais do banco pontuaram que até o fim do ano pode haver fluxos de saída de capital do país devido à sazonal remessa de lucros e dividendos de empresas e à compra de dólares decorrente do ajuste do setor bancário ao "overhedge" –proteção adicional carregada pelos bancos que deixou de ser interessante após mudança regulatória pelo BC.
Na véspera, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição provavelmente terá que atuar no câmbio por causa de demanda associada ao "overhedge".
Em relatório, Gabriel Tenorio e Claudio Irigoyen, do BofA, citaram que a compilação proprietária de movimentos de fluxos pelo BofA mostrou investidores conhecidos como "real money" (fundos de pensão, por exemplo, com alocações mais de longo prazo) reduzindo exposição à moeda brasileira, indicativo de piora de perspectiva em caráter estrutural.
O BofA estima que o dólar fechará o primeiro trimestre de 2022 em 5,10 reais, indo a 5,20 reais no encerramento de junho.
Juro alto ameniza, mas não compensa pressão
A postura mais ressabiada dos estrangeiros com o câmbio ocorre a despeito de o Banco Central estar em pleno ciclo de aperto monetário que, pelos preços de mercado, pode terminar com a Selic próxima de dois dígitos.
O retorno oferecido por contratos a termo de taxa de câmbio de um ano superou 8% (de menos de 2,4% no começo de 2021), nas máximas em mais de quatro anos. A moeda brasileira, contudo, ainda patina na preferência de investidores internacionais.
O Goldman Sachs, por exemplo, excluiu o real de uma lista de moedas que podem se beneficiar de maneira mais decisiva de rendimentos mais atrativos. Rublo russo, rupia indiana e peso mexicano são favoritos.
"Ficamos menos construtivos com o real. Seu elevado beta cíclico deve se mostrar menos favorável em uma recuperação (econômica) mais contida, e a volatilidade tende a aumentar à medida que nos encaminhamos para um ano eleitoral", disseram estrategistas do banco em nota.
No documento, eles passaram a ver dólar mais alto em três meses (5,10 reais), seis meses (5,00 reais) e 12 meses (4,95 reais). Antes, as projeções estavam em 4,70 reais, 4,65 reais e 4,60 reais, respectivamente.
A disparada da inflação –em meio a uma crise hídrica que tem feito bancos como o JPMorgan cortar projeções para a economia brasileira em 2022– é outra dor de cabeça para o investidor estrangeiro que mira o real.
"A elevada inflação continua sendo um obstáculo para o 'carry' (retorno em taxa de juros oferecido pelos investimentos na moeda brasileira), conforme os juros reais seguem em patamares muito baixos", disseram estrategistas do Morgan Stanley, no qual citam que o real é a terceira moeda mais cara no universo emergente.
O banco disse que o real continua sendo a moeda preferida para venda dentro de seu portfólio de divisas emergentes.