Há pouquíssimos consensos no atual cenário político e econômico brasileiro. Um deles, sem dúvida, é a necessidade de uma reforma tributária. Essa rara unanimidade decorre da visão prevalente de que o atual sistema tem tais complexidade e ineficiência que o tornam um estorvo para todos os atores econômicos, inclusive as autoridades fiscais. São milhares de decretos, portarias, instruções normativas e acórdãos oriundos de centenas de leis municipais, estaduais e federais, além de periódicas emendas constitucionais.
As mencionadas complexidade e ineficiência ocasionam graves distorções no ambiente de negócios, seja pela desigual carga tributária entre os diversos setores da economia, seja pela imprevisibilidade do empreendedor em relação aos seus custos de implantação e operação.
Tivemos, ao longo de décadas, como resultado desse estado de coisas, guerras fiscais entre estados e municípios; altos índices de sonegação, absurdos níveis de corrupção e um estratosférico contencioso legal, hoje na casa de três e meio trilhões de reais, segundo o Instituto Brasileiros de Ética Concorrencial.
O custo de administração dessa parafernália fiscal recai sobre os ombros da sociedade, das empresas e do já combalido setor público, sendo, há muito tempo, o principal entrave ao desenvolvimento econômico.
Entretanto, se há consenso quanto ao diagnóstico e ao remédio, não há a mais remota concordância quanto à dosagem e à distribuição dos ganhos e perdas decorrentes do tratamento. É possível dizer que cada um tem sua reforma tributária ideal. E cada um, aqui, quer dizer o Governo Federal, os estados e municípios, grandes e pequenos, as regiões geográficas, os setores da economia, ascorporações, os assalariados, os ricos e os pobres. É forçoso admitir, então, que diante de tais conflitos de interesses não existe, nem haverá, em qualquer momento, a reforma tributária ideal.
Felizmente, vivemos num regime plenamente democrático e dispomos do foro adequado e capacitado para buscar a melhor reforma possível: o Congresso Nacional. Lá estão representados todos os atores relevantes, interessados e afetados pela nova configuração que há de surgir após as discussões e votações. Além disso, o Congresso jamais é refratário às pressões advindas de outros segmentos da sociedade, ainda que esses estejam subrepresentados, ou sequer representados, em sua composição. Portanto, temos a vontade, os instrumentos e a consciência das limitações. O resto é trabalho. Muito trabalho, muita negociação e espírito público,
Na última semana, depois de uma longa e inexplicável postergação, o ministro Paulo Guedes entregou ao Congresso sua proposta para a primeira fase da reforma tributária pretendida pela União, que veio juntar-se às duas propostas já em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, as Emendas de Proposta Constitucional 45/2019 e 110/2019. Chamou a atenção a timidez da proposta do Governo comparativamente às propostas das duas Casas Legislativas, visto que tratou apenas da unificação, com alterações, é verdade, do PIS e da Cofins.
O Ministro sabe, assim como todos familiarizados com as rotinas das empresas, que o PIS e a Cofins, exceto quanto às guias de recolhimento, são tratados nas empresas, informalmente, como se já fosse um único imposto, tamanhas suas semelhanças em termos de fato gerador, incidência e base de cálculo. Nem por isso, a proposta ministerial deixou de trazer novidades, que geraram, como era de se esperar, reações dos setores afetados. Reações normais, válidas e necessárias para o seu aperfeiçoamento. De positivo, essa proposta trouxe o fim da cumulatividade na nova contribuição, agora denominada Contribuição sobre Bens e Serviços.
As propostas do Congresso são mais abrangentes e ambiciosas. Avançam na criação do festejado IVA – Imposto sobre Valor Agregado – , que poderá vir a ser chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e que viria a substituir vários outros impostos, como o IPI, o ICMS e o ISS, além das contribuições já tratadas na proposta do Governo. Ressalte-se que a proposta do Senado acrescenta, entre os substituíveis pelo novo imposto, a CIDE, o IOF e o Salário-Educação.
Exatamente por serem mais ambiciosas, as propostas do Congresso suscitam maiores reações e demandarão um enorme esforço de convencimento e busca de convergência. Parece claro aos acostumados com a lide legislativa de que o resultado final será uma acomodação das três propostas, e que mesmo o fatiamento da reforma em quatro fases, como pretende o Governo, pode vir a prosperar.
Merece análise a estratégia de fatiamento da reforma. À primeira vista, sugere uma abordagem cautelosa com mais chances de sucesso por ensejar menores resistências. Porém, há o risco de serem feitas tantas concessões ao longo das discussões de cada fase, que o resultado final careça de coerência e, na pior das hipóteses, preserve a complexidade que se quer eliminar. Sem considerar que, pelas razões que tratamos a seguir, o tempo não está a nosso favor.
Em todas as propostas em discussão não há menção a aumento da carga tributária. Afinal, há uma grita bastante generalizada de que temos carga tributária excessiva, o que pode não ser verdade dado nosso estágio de desenvolvimento. Se tal percepção de excesso já podia ser contestada em 2019, o que dizer no atual momento, em que o Governo se vê obrigado a socorrer a maior parte dos agentes econômicos? E, adicionalmente, é obrigado a rever sua política social, aderindo e ampliando os tão criticados, no passado, programas de distribuição de renda.
Por outro lado, a realidade, desde os primórdios da Humanidade, teima em prevalecer. Não há como evitar a discussão sobre aumento de impostos num momento de crescimento do déficit fiscal, agravado pela falta de uma reforma administrativa, pela necessidade de investimentos para alavancar o crescimento do PIB, pelo aumento dos gastos sociais e pelos desafios permanentes do SUS e da Educação. A ojeriza de vários setores à volta da CPMF, ao Imposto sobre Grandes Fortunas e à tributação de dividendos poderia ser contornada com concessões e, principalmente, por adequadas medidas de simplificação, que diminuam os custos de administração de empresas e cidadãos.
Por fim, é bom lembrar que aumenta-se a carga tributária não apenas pela criação de novos impostos e majoração de alíquotas. Nesse sentido, podem ser extintos benefícios e isenções, deduções e regimes especiais. Em suma, tudo está à mesa. É hora de negociar.