“Para o atingimento de seus objetivos, a Economia brasileira — assim como a Saúde — requer um esforço conjunto e coordenado de todas as esferas de gestão e, sobretudo, a liderança e clareza de intenções do Chefe do Governo. Sem essa liderança, o que se vê é um conjunto de medidas desconexas e insuficientes, que somadas àquelas sequer encaminhadas, tornam nebuloso o futuro do país”.
Uma das primeiras medidas de D. João VI, ao chegar ao Brasil, fugindo de Napoleão, foi nomear o Marquês de Aguiar, Dom Fernando José de Portugal e Castro, como Presidente do Egrégio Erário Real e, dois meses depois, também Ministro Chefe do Conselho de Fazenda do Reino. Mais uma prova de que D. João não era o tolo que dizem. Embora o Marquês de Aguiar estivesse na frota real em fuga, ele já vivera, anteriormente, dezesseis anos no Brasil. Foi, entre 1788 e 1806, Governador da Bahia e Vice Rei do Brasil. Era o homem ideal para cuidar da sonegação, digo, arrecadação de impostos.
Consta que o Príncipe Regente e seu ministro se davam muito bem, uma tradição que, no Brasil, manteve-se pelos próximos duzentos e dez anos. Por todo esse período, não houve registro de grandes desavenças ou falta de sintonia entre os Ministros da Fazenda e seus chefes, fossem eles príncipes regentes, imperadores, presidentes da república ou ditadores. A qualquer discordância ou desentendimento entre eles, o chefe demitia o subordinado e o barco seguia. Consta, também, que o barco nunca naufragou. Ainda.
Entretanto, a partir de 1º de janeiro de 2019, o ano 1 DFC (ano 1 do Fim da Corrupção), conhecemos uma nova dupla, que cuidaria dos destinos da Nação e de seu cofre: Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Davam-se muito bem, tinham confiança mútua absoluta e complementavam-se em perfeita sintonia: um era (e continua sendo) um ignorante em Economia, o outro um ás na mesma matéria. Combinaram que quem sabia cuidaria de tudo, resolveria todos os problemas e conduziria o país ao Capitalismo, ainda que com duzentos e cinquenta anos de atraso.
Ledo engano, diria o velho Machado. Guedes, não sei se propositalmente, esqueceu-se de explicar ao presidente o que precisaria ser feito, na sua opinião, para conduzir o país ao Paraíso. A fase de definição de metas foi excelente, todo mundo acreditou e o Mercado, sempre ele, vibrou. O presidente, distraído com coisas “mais importantes”, deixou-o a vontade para nomear assessores, desacatar o Congresso, ameaçar com privatizações e cutucar os intocáveis funcionários públicos (os civis, claro).
Inoperância crônica
Pensar e planejar são boas atitudes, mas sempre chega a hora de fazer. E aí, nada aconteceu. Privatizações? Controle da folha de pagamento? Reforma administrativa? Controle de gastos? Acordo Mercosul – Comunidade Europeia? Acordos bilaterais? Crescimento Econômico? Nada disso aconteceu. Nem poderia acontecer, posto que o Chefe é profundamente refratário às medidas que o ministro julga necessárias para atingir seus objetivos.
Desde Ernesto Geisel, nunca tivemos um presidente tão estatizante como JB. Já nomeou, por diversas vezes, as estatais intocáveis. Desde Tomé de Souza, nunca tivemos um presidente tão corporativista. Tão apegado aos seus colegas de farda, nem João Figueiredo, que nunca escondeu seu desgosto pelo povo e pelo cargo. É até possível que, caso a guerra com os EUA ecloda, o presidente preserve os militares aqui no Brasil em postos chaves como o Ministério da Saúde e a Biblioteca Nacional e mande a Guarda Metropolitana do Rio de Janeiro ocupar Miami.
Guedes estaria melhor como ministro de Lula. Teria muito mais espaço para colocar suas ideias. Afinal, ele não é mais liberal que Henrique Meirelles, o grande fiador do governo petista junto ao mercado e ao mundo. E, pior, não tem a competência de Meirelles. Para aumentar o “drama”, o presidente, de olho em 2022, ligou o modo “populista”. Caiu nos braços do Centrão, apaixonou-se pelo Bolsa Família (só quer trocar o nome para que possa chamar de seu) e tem ojeriza a novos impostos, tudo o que Guedes precisa.
Guedes sobrevive porque não interessa ao presidente demiti-lo. Não é uma ameaça eleitoral e será difícil achar um substituto tão dócil. Sobrevive, também, porque a pandemia embaralhou tudo. Ninguém lhe cobra crescimento, nem poderia cobrar, dado o cenário global. Por fim, Guedes, que não é burro, aprendeu a fazer política. Perambula por seminários, entrevistas, cercadinho do Planalto, painéis e comissões do Congresso fazendo promessas. “É o que tem prá hoje”.
A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.
Leia mais artigos de Humberto Mariano: