A política e o desafio fiscal

 “O Brasil vive uma situação quase surrealista: todo mundo sabe o que precisa ser feito, mas ninguém faz. Perdidos em discussões estéreis e mesquinharias pouco republicanas, os políticos deixam de cumprir suas mínimas obrigações, entre elas, a votação do Orçamento e de outras medidas urgentemente necessárias. Enquanto isso, velhos e conhecidos fantasmas continuam a nos açoitar: inflação, recessão e desemprego.”

Não sou daqueles que costumam demonizar a política e os políticos. Repito à exaustão: não há salvação fora da política. Também não acredito que a porcentagem de políticos de mau caráter é muito diferente da de advogados, engenheiros, economistas, professores, médicos, ou seja lá qual for a profissão. Até porque políticos são, também, advogados, engenheiros, economistas, professores, médicos etc. Além disso, de quatro em quatro anos, diferentemente das demais profissões, eles se submetem ao julgamento de seus clientes. Só quem já comeu uma coxinha numa padaria do extremos da cidade de São Paulo sabe o quanto é difícil e perigosa uma campanha eleitoral.

Santos não são. São gente como a gente: adoram gastar, adiam o quanto podem uma decisão e têm horror a parecerem antipáticos. Entretanto, meus caros, é hora de chamarmos nosso deputado e nosso senador para uma conversa séria. Bateu à nossa porta uma velha e inoportuna conhecida: a inflação. E numa hora difícil, na qual temos estreitas margens de manobra para a utilização dos instrumentos com os quais, em geral, combatemos esse mal. Mexer na política monetária, via aumento da taxa de juros e restrição de liquidez, significaria retirar os aparelhos de um paciente já em estado grave na UTI.

Resta a política fiscal, o campo em que os políticos do Executivo e do Legislativo precisam atuar e, para nossa infelicidade, não vêm fazendo. Tramitam, ou dormitam, no Congresso, há pelo menos um ano, em diferentes estágios e velocidades, importantes e fundamentais medidas, que podem evitar o caminho do desastre. Entre elas, estão quatro Propostas de Emenda Constitucional: a Reforma Tributária, a dos Gastos Emergenciais, a do Pacto Federativo e a dos Fundos Públicos. Qualquer delas, se aprovada, significaria, além de substancial ajuste nas contas do Governo, um decisivo sinal de que o Brasil preservará o caminho da responsabilidade fiscal.

Estão esperando o quê?

Nem o Legislativo nem o Executivo têm se empenhado para agilizar a votação de tais medidas. Não há uma palavra séria e definitiva do Presidente da República sobre esses temas nos últimos noventa dias. O Ministro da Fazenda, em suas peregrinações, até tem tentado, muito mais pela retórica do que por um trabalho efetivo. Por sua vez, o presidente da Câmara escuda-se na inação do Executivo, e em seus próprios interesses, para manter paralisada a pauta de votações. E o Senado? Ah, esse não conta. Quando (e se) as medidas saírem da Câmara, os senadores darão um jeito de as procrastinarem para se fazerem de importantes e negociarem benesses.

Qual a segurança no ambiente de negócios no país se o próprio Orçamento da União do próximo ano será votado, de afogadilho, na última semana do ano legislativo? Serão mantidas as metas do déficit fiscal? Haverá um novo e mais dispendioso programa de proteção social? Haverá novos impostos? Qual é a fatia do Orçamento que vai para investimentos, ou seja, qual a contribuição dos gastos do Governo para o PIB de 2021? Por enquanto, restando vinte dias para terminar o ano, só temos as perguntas.

As duras verdades, que nossos políticos teimam em não enfrentar, são: I) a relação dívida bruta pública/PIB está próxima a 100% do PIB; II) o déficit primário está em torno de 3% do mesmo PIB; III) o recuo do PIB em 2020 ficará entre 4 e 5%; IV) a inflação nesse ano superará o centro da meta e poderá sair do controle em 2021; V) o desemprego chegou a 14% e não dá sinais de regressão; VI a enorme liquidez internacional, decorrente dos pacotes de estímulos e das baixas taxas de juros, não é para sempre; VII) e, por fim, cresce nossa dependência das exportações do agronegócio e de commodities e, por conseqüência, da “vilã” ( para alguns) China.

Esses indicadores são insustentáveis a médio e longo prazo porque condenam o país a um lugar periférico no mundo globalizado, perpetuam os baixos índices de crescimento, não apontam perspectivas para as futuras gerações e tornam a todos nós reféns e vítimas de um Estado ineficiente e mal gerido, em todas as suas unidades, poderes e instâncias. É hora de trabalhar para mudar esse quadro.

A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.

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