“Por absoluta falta de renovação de lideranças e, principalmente, por causa da imunidade parlamentar, não temos no Brasil a saudável tradição dos EUA, na qual os ex-presidentes, ao término dos mandatos, retiram-se da cena político-partidária e recebem o respeito dos cidadãos, aliados ou adversários, por terem servido ao país. À exceção de FHC e Goulart, este por impedimento, todos os ex-presidentes, após Getúlio Vargas, candidataram-se para outros cargos. Lula não pretende fugir à regra”.
Apenas quem não conhece os dois, ou não entende os meandros da política, estranhou e surpreendeu-se com o encontro de FHC e Lula, ocorrido em algum momento de maio e divulgado há duas semanas, nas redes sociais, pelo petista. Além do fato de que a regra básica da boa política é o diálogo constante na busca de convergências e da superação das divergências, ambos são políticos experimentados, que já atingiram o topo em suas carreiras. São, ainda, reconhecidos, por seus pares e pelo mundo, como pessoas que têm muito a contribuir na discussão e encaminhamento dos problemas nacionais.
Política é, sobretudo, fruto de conveniências e circunstâncias. E não há nada de errado ou indigno nisso, quando as conveniências são as do país e de seu povo e se as circunstâncias apontem para a necessidade de união de forças, pelo menos aquelas com um mínimo de afinidades, contra um mal maior. São inúmeros os exemplos, alguns nobres e edificantes, outros absolutamente desprezíveis, na política brasileira e mundial, de alianças entre históricos adversários.
Stalin talvez seja o maior exemplo nas duas situações. Primeiro, seu infame pacto com Hitler, antes da Segunda Guerra Mundial, com o claro objetivo de repartir o território polonês e ganhar tempo de preparação para o embate entre eles próprios, que certamente viria a ocorrer, como ocorreu. Depois, a aliança com Roosevelt e Churchill para derrotar a praga maior, que era o nazismo alemão. Pragmatismo ou cinismo? Conveniência ou Ambição? Difícil ter uma resposta precisa e isenta para esses acontecimentos. Assim como para a criação da Frente Liberal de Sarney e ACM, que nos estertores da ditadura militar pularam do barco que ajudavam a pilotar e tornaram-se, da noite para o dia, aguerridos democratas e parceiros de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães.
A história política brasileira tem um dramático exemplo de adaptação às circunstâncias e conveniências, dado pelo líder comunista Luís Carlos Prestes em 1945. Prestes esteve preso por nove anos, desde 1936, período em que seu algoz, o ditador Getúlio Vargas, deportou para a Alemanha nazista sua companheira Olga Benário. Olga era judia, comunista e revolucionária, o que significava prisão e condenação certas na Alemanha de Hitler. Foi o que aconteceu. Olga morreu num campo de concentração logo depois de dar à luz a filha do casal, Anita Leocádia, posteriormente repatriada para o Brasil. Ainda assim, Prestes, após sua anistia em 1945, apoiou Getúlio em sua frustrada tentativa de permanecer no poder, no movimento chamado “queremismo”.
Muy amigos
Voltando ao encontro recente de dois ex-presidentes, este não é sequer um esboço de aliança. Mas o fato de adversários históricos estarem dispostos a conversar já é um bom sinal nestes tempos de polarização e radicalização. Entretanto, é bastante improvável que seus objetivos sejam desprovidos de interesses pessoais e partidários. Não podemos esquecer que Lula já se anunciou candidato e que, por óbvio, tem razões de sobra para tentar enfraquecer a chamada “terceira via”. Por sua vez, FHC, ainda que já tenha manifestado não ter qualquer ambição em relação a cargos públicos, espera e trabalha para que seu partido, o PSDB, esteja representado e bem situado no próximo governo.
FHC e Lula têm muitas afinidades pessoais e políticas. O tucano ajudou a formar os quadros partidários conhecidos como a ala intelectual do Partido dos Trabalhadores, que fez a cabeça de Lula nos primeiros anos de sua carreira política. Por diversas vezes, como senador, esteve presente apoiando as manifestações e greves no ABC. Ambos compartilharam os palanques no movimento das “Diretas Já” e fizeram a mais pacífica e produtiva transição da faixa e poder presidencial das últimas décadas.
FHC, além de legar ao país, e ao próximo governo, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a política de ancoragem da economia no tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação e controle fiscal), chegou mesmo a assumir o ônus político de aumentar substancialmente a taxa de juros nos três meses finais do mandato, poupando Lula dessa antipática medida logo em início do mandato. O grande sucesso de Lula em seu primeiro mandato deveu-se, em grande parte, à manutenção da política econômica do governo FHC.
O petista, por sua vez, não foi tão generoso com seu antecessor. Nunca reconheceu o bendito legado, assim como antes não impedira que radicais de seu partido infernizassem o então presidente pichando muros, carregando faixas e invadindo terras com o lema: “FORA, FHC”. Depois, ainda queriam a neutralidade do PSDB no processo de afastamento de Dilma Rousseff, o que era exigir demais após tanta ingratidão. O tempo não apagou as escaramuças entre tucanos e petistas, mas a experiência política de ambos os líderes identificou a necessidade de sinalizarem ao país e aos outros pré-candidatos que o diálogo é a melhor via para consolidação de candidaturas viáveis.
Se Ciro tivesse juízo, convidaria os dois para um fim de semana em Sobral, com direito a carne de sol com macaxeira para todos; vinho do Vale do São Francisco para FHC e o anfitrião, preferencialmente o Rio Sol Gran Reserva Syrah 2015, enquanto Lula deverá optar por um Romanée-Conti, o Vosne-Romanée 1ER Cru en Orveaux 2017. E muita conversa. O Brasil agradece.
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