O IGP-M (Índice Geral do Preço ao Mercado) é o indexador mais utilizado nos contratos do mercado imobiliário entre os índices de reajuste de aluguel. Com a pandemia do novo coronavírus, o indicador saltou e chegou 32,74% em 12 meses na primeira prévia de junho de 2021, segundo a FGV (Fundação Getúlio Vargas).
O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), outro indicador inflacionário, por sua vez, alcançou 8,35% no acumulado de 12 meses em junho, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar de ainda estar em patamares considerados altos, essa é uma alternativa encontrada para o reajuste dos aluguéis.
A alta desencadeou consequências no setor imobiliário. Com o aumento significativo nos contratos de aluguel, diversos locatários tiveram problemas para pagar as contas. Para tentar frear isso, o poder legislativo realizou algumas propostas no âmbito jurídico.
No Senado, corre um projeto de lei (PL 1.806/2021) que determina que o aumento nos preços de aluguéis residenciais e comerciais seja feito pelo IPCA. A proposta foi apresentada em junho pelo senador Telmário Mota (Pros-RR).
Já na Câmara dos Deputados tramita proposta semelhante: o PL 1026/21 determina que o reajuste dos contratos de aluguel residencial e comercial não poderá ser superior à inflação oficial do País, o IPCA.
Embora os projetos ainda estejam em tramitação em suas respectivas casas do legislativo, desde o início da pandemia, diversos contratos imobiliários já estão seguindo a mudança dos indexadores.
“Nós temos no nosso ordenamento jurídico princípios que vedam o desequilíbrio contratual entre as partes. Tem que existir um equilíbrio econômico e financeiro no contrato. O contrato tem uma função social muito importante, ele não pode ser objeto de enriquecimento sem causa”, explica Daniel Ferri, sócio-fundador do FDK Advogados.
“Quando você tem uma alteração tamanha nesse índice [IGP-M], você traz o que se chama de fator externo, o que independe da vontade das partes. Ele traz um desequilíbrio para o mercado e põe uma parte em situação de inferioridade econômica perante a outra parte”, diz.
Esse fator saltou aos olhos dos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs): com o IGP-M nas alturas, a lucratividade fica maior para os locatários, o que reflete na performance dos FIIs, uma vez que grande parte da rentabilidade desses fundos está associada ao recebimento de aluguéis de contratos de locação.
“Com a alta do IGP-M, a expectativa do mercado era aquecer muito os fundos imobiliários”, lembra Daniel.
Bom ou ruim?
A curto prazo, a troca do IGP-M pelo IPCA poderia causar uma redução drástica na rentabilidade dos fundos imobiliários, principalmente nos fundos de tijolo, ou seja, aqueles que são focados em imóveis físicos, como galpões logísticos e lajes corporativas.
“Imediatamente pode ter um impacto mais significativo para os fundos com exposição muito grande ao IGP-M, obviamente”, diz Caio Ventura, analista de fundos imobiliários da Guide Investimentos. “Fundos de ativos reais são os mais impactados no primeiro momento. Já para os fundos de recebíveis, o impacto acaba sendo amenizado”.
No entanto, o que parece ruim agora, pode, na verdade, ser um aliado “lá na frente”. Ferri, por outro lado, destaca que a possível troca de indexadores pode vir a se tornar benéfica para os fundos ao longo do tempo, já que com diminuição da taxação de reajustes, o risco de inadimplência e vacância de imóveis tende a diminuir.
“Há visões de mercado que dizem que a aplicação do IPCA, a longo prazo, vai ser boa, porque vai trazer estabilidade e previsibilidade. É melhor que você tenha um índice que tenha um acréscimo menor, mas que vai propiciar que os devedores paguem”, conta.
Para Ventura, porém, a longo prazo, o impacto é “marginalmente ruim''. Isso porque, como ele explica, historicamente, a diferença entre os dois indexadores não é tão grande quanto a que estamos observando agora – algo que aconteceu devido a diversos fatores provenientes da crise sanitária. Logo, o IGP-M passaria a cumprir seu “papel” como de costume.
“Há uma diferença entre os dois indexadores, mas não é uma diferença descomunal como a que a gente tem agora. Essa diferença está implícita dentro da carteira do IGP-M, de alguns itens, especialmente de exposição ao dólar”, explica o analista.
“É só olhar a trajetória do dólar desde o início da pandemia. O Brasil é um dos países emergentes com pior performance da moeda local em relação ao dólar, por causa de alguns fatores, como o agravamento do cenário fiscal, falta de perspectivas em relação a compra de vacinas, falta de previsibilidade quanto à retomada presencial de atividades comerciais”, completa.
Como fica o Ifix?
Segundo Caio, o Ifix, principal indicador dos fundos imobiliários, não deve sentir tanto os efeitos da PL de imediato, porque o projeto ainda está em tramitação e não deve impactar os FIIs no momento.
“Eu acho que o mercado entende que é só uma discussão prévia. O mercado deve começar a precificar quando ficar um pouco mais claro a perspectiva de votação da Câmara e do Senado”, diz.
O especialista lembra ainda que grande parte da performance negativa do Ifix está associada ao desempenho ruim de setores que compõem o índice e também da tributação de dividendos apresentada à Câmara no final do mês passado por Paulo Guedes, na 2ª parte da proposta de reforma tributária do governo. Para se ter ideia, em 2020, o Ifix teve desempenho negativo de 10,24%. Desde o começo de 2021, a variação do indicador está negativa em 1,32%.
“A gente tem aproximadamente 35% do Ifix sendo composto por fundos de recebíveis, que é o que está segurando o Ifix, e o restante composto por ativos reais, que estão performando mal”, afirma.
Novo indicador
Devido a esses impasses em relação ao IPCA e IGP-M, a FGV já mostrou interesse em produzir um índice que seja específico para o mercado de locação. A informação foi revelada em um webinar sobre o mercado imobiliário promovido pela fundação em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, no dia 31 de março.
“Estamos conversando com parceiros em potencial, fontes de informações. Temos contato com várias empresas que estão no setor de administração de contratos de aluguéis para compartilhamento de dados que reflitam a realidade do mercado”, disse Paulo Picchetti, pesquisador do FGV IBRE.
Ele constata, entretanto, que não há uma data ou cronograma para chegada do novo índice: “não temos uma expectativa, mas temos um desejo: ontem! Mas o processo é longo justamente para construirmos um índice que seja robusto e não mudarmos o que já temos por outro que também não funcione”.