A Assembleia Legislativa de Minas Gerais arquivou proposta que buscava instituir uma política estadual dos atingidos por barragens e outros empreendimentos. O arquivamento ocorreu de forma automática devido à mudança da legislatura, e a tramitação ainda pode ser retomada, mas depende de uma solicitação formal do governo mineiro.
Tramitando desde março de 2016, o Projeto de Lei (PL) 3.312/2016 é o único dos três que foram elaborados pela Comissão Extraordinária de Barragens que não saiu do papel. A comissão foi criada após a tragédia de Mariana, ocorrida em 2015, quando 39 milhões de metros cúbicos de rejeito vazaram de um complexo da mineradora Samarco e 19 pessoas morreram. As atividades da comissão foram concluídas com a apresentação de um relatório assinado por 11 deputados de oito partidos, no qual foram reunidos os textos dos três projetos apresentados.
O PL 3.312/2016, formalmente apresentado pelo então governador Fernando Pimentel, estabelece que, paralelamente aos procedimentos de licenciamento ambiental, seja elaborado um plano de recuperação e desenvolvimento econômico e social, incluindo ações para melhoria das condições de vida dos atingidos e estabelecendo formas de reparação visando ao bem-estar social da população. O texto prevê também prevê a criação de um comitê paritário entre poder público e sociedade civil, ao qual caberia, entre outras atribuições, homologar o plano de recuperação cada barragem e empreendimento.
As empresas ficariam obrigadas a adotar medidas para assegurar a ampla participação das comunidades em processos decisórios, a recomposição territorial e econômica, a oferta de serviços de saúde e de educação, o acesso universal à água potável e energia elétrica, o respeito às singularidades dos povos indígenas e quilombolas e a transparência das informações.
Além disso, em casos que demandam a remoção de moradores, o projeto de lei fixa a preferência pelo reassentamento coletivo em detrimento do individual e estabelece a contratação prioritária de mão de obra local na construção e instalação de barragens.
De acordo com a proposta, devem ser considerados atingidas todas as pessoas que sofram impactos decorrentes da construção, instalação, ampliação e operação de barragem e outros empreendimentos. Isso inclui, por exemplo, indivíduos que sofram prejuízos financeiros, limitação de acesso a seus bens, perda de propriedade ou imóvel e danos provocados por mudanças que afetem o modo de vida da população.
No fim do ano passado, o então deputado estadual e relator da Comissão Extraordinária de Barragens, Rogério Correia (PT), disse à Agência Brasil que o projeto estava pronto para ser votado. “É uma espécie de licenciamento social, que ocorre ao mesmo tempo que o licenciamento ambiental. O tempo para obtenção do licenciamento não aumenta, mas há um maior rigor com as pessoas que serão afetadas”, disse na ocasião. Correia, que atualmente é deputado federal, também afirmou na época que a influência do setor minerário atrasava a tramitação, pois havia pontos de tensionamento nos projetos propostos pela Comissão.
Com o arquivamento, o PL deixa de tramitar. Como havia sido apresentado por Pimentel, o texto pode ser desarquivado a pedido do governo mineiro. Para tanto, é preciso ue o atual governador, Romeu Zema, se manifeste em documento formal. “O governo precisa encaminhar mensagem ao presidente da Assembleia Legislativa com essa solicitação. Até o momento, nenhuma mensagem nesse sentido foi recebida”, informou, em nota, a Assembleia Legislativa. Procurado pela Agência Brasil, o governo estadual ainda não respondeu.
Elogio na ONU
O projeto de lei que institui uma política dos atingidos por barragens e outros empreendimentos em Minas Gerais foi elogiado em relatório divulgado em 2016 pela Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento foi elaborado por um grupo de trabalho da ONU que visitou oficialmente o Brasil.
“A lei proposta visa assegurar os direitos humanos das populações afetadas pelo planejamento, implementação e operação de represas e outros projetos. Uma política semelhante foi estabelecida por decreto no Rio Grande do Sul, em 2014. O grupo de trabalho elogia essas iniciativas”, diz o relatório.
A elaboração da proposta também contou com a participação do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). “Ela já havia sido aprovada em quatro comissões e não foi votada por pressões de lobistas”, disse Pablo Dias, integrante da coordenação estadual da entidade. Para pressionar pela aprovação do projeto de lei, mulheres do MAB chegaram a fazer um acampamento na entrada da ALMG durante três dias em março do ano passado.
Segundo Pablo, a ocorrência das tragédias de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em janeiro deste ano, evidenciaram a urgência da proposta. Apesar de reconhecer a importância de outros projetos que já foram aprovados, Pablo diz que o PL 3.312/2016 traz garantias específicas. “As pessoas que estão sendo evacuadas nas diversas cidades, por exemplo, não têm quase direito nenhum.”
Após o rompimento da barragem de Brumadinho, centenas de moradores das cidades mineiras Barão de Cocais, Itatiaiuçu, Nova Lima e Ouro Preto foram retirados de suas casas devido aos riscos de novas tragédias. Segundo Pablo Dias, o MAB espera obter o apoio de Zema, e novo ato em frente à Assembleia Legislativa será realizado quarta-feira (13) em defesa do desarquivamento do projeto de lei.
Outros projetos
Dois projetos apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens deram origem a novas leis. A primeira, sancionada por Fernando Pimentel em dezembro de 2017, fixou novas regras para a aplicação da Taxa Estadual de Fiscalização dos Recursos Minerários, que deve ser paga tanto por pessoas físicas quanto jurídicas que desenvolvam pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de minerais. O objetivo das mudanças é assegurar que o valor arrecadado destine-se exclusivamente à fiscalização das atividades minerárias e não seja desviada para outro fins.
O outro projeto, que só saiu do papel há duas semanas, traz um novo marco regulatório para o licenciamento e fiscalização da barragens. A tramitação do PL 3.676/2016 se arrastava há quase três anos e foi acelerada com a tragédia de Brumadinho. O projeto foi, então, aprovado na Assembleia Legislativa e sancionado pelo governador Romeu Zema.