PIX

PIX, o novo cavalo de Troia

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Cassandra foi uma mulher incompreendida. Devota de Apolo, que lhe ensinou os segredos da profecia, ela se recusou a deitar-se com ele e foi amaldiçoada com o descrédito. Assim, mesmo que profetizasse, ninguém acreditava nela. Todos a consideravam louca.

Ser louca, na família de Cassandra, não deve ter sido fácil. Com dezoito irmãos, entre eles o guerreiro Heitor e o inconsequente Páris, por mais que falasse do perigo que corriam com os gregos, por anos às suas portas, de nada adiantava.

Os troianos se julgavam invencíveis até que a guerra acabou. Os gregos foram vistos nos seus navios a caminho de casa, deixando um imenso cavalo de madeira às portas da cidade, um despojo que, por certo, os troianos usariam como sacrifício a qualquer Deus.

Cassandra implorou ao pai Príamo, o Rei, que destruísse o cavalo gigante porque, mesmo com os gregos já em alto mar, só via desgraça e tragédia à sua frente. Não foi ouvida. E aí Homero conta o resto, brindando a humanidade com uma Odisseia contada e recontada por muitas e muitas gerações.

Certo é que o cavalo de Troia está para nós, milhares de anos à frente da lenda, como um símbolo do perigo que nós mesmos convidamos para entrar dentro de casa. Estejamos atentos, o mito sempre se repete, em maior ou menor grau de tragédia. E o menor grau pode ser um simples aplicativo.

Sem botão de pânico

Veja que eu não tenho vocação para Cassandra, mas pense comigo sobre o PIX: rápido, barato ou de graça, a depender da instituição do cadastro, em uma fração de segundos uma quantia ilimitada de dinheiro pode ser transferida para outra conta e transferida e transferida e transferida, sem que haja, ao menos por enquanto, qualquer protocolo de segurança informado para seus usuários.

Embora o BACEN tenha afirmado que as transações do app sejam seguras, e seu departamento de tecnologia tenha comentado na mídia que haverá um mecanismo antifraude, nada tem-se de concreto sobre o assunto, nenhum “botão de pânico” foi anunciado faltando menos de trinta dias para que o app entre em operação, com mais de quarenta milhões de usuários já cadastrados.

A proposta aqui é viajar na filosofia e vou fundo: e se o perigo não estiver dentro do cavalo, mas sim fora dele? Vamos lá… o nome que dou a isso é “sequestro relâmpago”. Estamos suscetíveis a esse tipo de crime a todo instante; mas com o PIX possibilitando a transferência ilimitada de numerário 24 horas por dia, todos os dias da semana, a probabilidade é de que crimes como tais se tornem corriqueiros.

Haja preparo psicológico para as vítimas, mas como se recupera o dinheiro? E de quem é a responsabilidade de fazê-lo? Da instituição bancária de onde o mesmo foi sacado? Do Banco Central do Brasil? Do cidadão que usou o serviço e vive em um país onde a autoria de tais crimes é de difícil apuração?

Até um tempo atrás, qualquer fraude envolvendo transações bancárias seria de responsabilidade da casa bancária, que por sua vez indenizaria o consumidor. Todavia, mais recentemente, o entendimento do judiciário mudou e se usuário do serviço forneceu a senha ou, no caso, o mecanismo para o saque, a culpa seria ou será dele. Vide golpes da internet… a responsabilidade é de quem, mesmo enganado, forneceu os dados financeiros.

Responsável ou não, o consumidor correrá o risco de, em um clique, ficar sem as economias da vida toda. Isso é tema para se pensar e pensar seriamente.

Presente de grego?

Mas a barriga do cavalo é grande e lá cabem outros perigos: como a ferramenta é disponibilizada pelo Banco Central, mesmo que seja por meio de bancos privados, o governo vai saber onde o senhor ou a senhora andam gastando seu rico dinheirinho. Não basta tributar na fonte, o arranjo é para descobrir o rastro do dinheiro.

Presente de grego? Parece, não é verdade? Aguardemos o que a história vai contar sobre o tema.

Os troianos não sobreviveram e Troia foi incendiada. Quanto à Cassandra, ela conseguiu fugir, conquanto o caminho não tenha sido fácil. Depois de várias e inusitadas situações, fundou uma grande cidade, sendo mãe de gerações.

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