Às vésperas da COP-26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), a ser realizada de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, na Escócia, a regulação do mercado de créditos de carbono entrou no radar do Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei 528/2021, de autoria do vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM).
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, afirmou, durante a Expert XP 2021, em agosto, que a aprovação do texto do qual se refere o tema daria "uma resposta ao mundo de que 62% do nosso território corresponde à floresta e que meio dúzia de desmatadores não podem jogar a imagem do Brasil no lixo".
Lira, à época, queria aprovar a regulamentação desse mercado antes mesmo da COP-26, mas impasses impediram a apreciação do projeto. No mês de setembro, em audiência pública na Câmara, o secretário-adjunto de Clima e Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Marcelo Donnini Freire, pediu "prudência" na tramitação da proposta e que os parlamentares aguardassem o retorno das definições que ocorrerão no evento.
Em torno dessa questão, muitas opiniões já foram dadas.
Ambientalistas se preocupam com a possibilidade de que a aprovação da proposta possa ser apenas mais uma commodity aos olhos do mercado internacional e que sua adoção signifique uma licença para que os poluidores continuem com suas práticas danosas ao meio ambiente, o que desvirtuaria a causa.
Já os defensores da medida não deixam de se amparar em dados econômicos e acreditam que os países que têm projetos sustentáveis beneficiam-se tanto pela realização dessas ações quanto pelo impulso que as economias recebem quando vendem os créditos de carbono para outras nações.
No texto a seguir, vamos entender o que são os créditos de carbono, os principais pontos da proposta de sua regulamentação no Brasil e como empresas e investidores se movimentam para se adequar a esse novo mercado.
O que são créditos de carbono?
Créditos de carbono, ou Redução Certificada de Emissão (RCE), são cotas que atestam e reconhecem a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), responsáveis pelo aquecimento global.
Essas unidades de medida correspondem, cada uma, a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) e calculam um possível valor de comercialização mediante a redução de GEE.
O conceito surgiu a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, no qual o texto estabelecia que, entre 2008 e 2012, os países desenvolvidos deveriam reduzir 5,2% (em média) das emissões de gases do efeito estufa em relação aos níveis medidos em 1990. Em 2015, essa determinação foi substituída pelo Acordo de Paris, um documento que contou com uma aceitação bem mais ampla e que inclui quase todos os países.
Cabe ressaltar que a redução de GEE pode ocorrer, também, por meio da diminuição da emissão de outros gases poluentes, como, por exemplo: Óxido Nitroso (NO), Metano (CH) e Hexafluoreto de Enxofre (SF).
Alguns exemplos de ações que podem resultar na criação de créditos de carbono, para países e empresas, são o reflorestamento de uma área degradada, o investimento em tecnologias ambientais ou a substituição de uma fonte de energia suja por uma fonte limpa.
Quando reduzida a emissão dessa tonelada de gás poluente, o país ou a empresa recebem uma certificação emitida pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Dessa forma, os que não conseguiram atingir suas metas de redução de gases estufa podem comprar um crédito, para compensar, com os vendedores – aqueles que reduziram suas emissões além da meta.
O que propõe o Projeto de Lei
Para regular todo esse novo setor, o texto do deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM) institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), determinado pela Política Nacional de Mudança do Clima Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009.
A proposta regulamenta pontos como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono, além de fixar um prazo de cinco anos para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE.
Para isso, o texto tem incorporado substitutivos que contam com a participação de entidades como o Centro Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Dentre as sugestões, já se discute a criação de dois mercados: o voluntário e o obrigatório (ou regulado).
O mercado voluntário, ou Sistema Brasileiro de Registro de Compensações (SBRC), se destinaria à negociação com empresas ou governos que não possuem as metas obrigatórias, mas desejam compensar o impacto ambiental das suas atividades.
Já o mercado obrigatório (ou regulado), ou Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), seria responsável pelos mecanismos de proteção à competitividade e pela estabilidade de preços, com uma governança participativa, segurança jurídica e baixo custo de transação.
Na primeira fase para adesão ao MBRE, com três anos de duração, a regulação seria restrita a fontes que emitam acima de 50.000 toneladas de carbono equivalente, o que, na prática, inclui apenas setores mais intensivos em carbono.
Em seguida, teria início a segunda fase, para cobrir outros setores e incluir outros gases de efeito-estufa que não apenas o CO2.
Ainda de acordo com a proposta, todos os projetos de redução de GEE e as negociações dos créditos de carbono serão registrados por um sistema eletrônico, gerido pelo Instituto Nacional de Registro de Dados Climáticos (INRDC), órgão fiscalizado pelo Ministério da Economia.
O mercado de créditos de carbono ao redor do mundo
De acordo com um relatório da XP Investimentos, o mercado de créditos de carbono movimentou em todo o mundo, somente em 2020, 229 bilhões – aproximadamente R$ 1,5 trilhão -, com um crescimento de quase 20% ano a ano e um número 5x maior que o apurado em 2017.
Na Europa, onde esse mercado foi regulado há cerca de quinze anos, e que concentra 90% do valor global dos créditos de carbono, houve negociação de um volume de 10 bilhões de toneladas de CO2 somente no ano passado.
Já no continente asiático, a China se comprometeu a cortar emissões líquidas de carbono até 2060. E, em fevereiro deste ano, as regras sobre o mercado de carbono nacional entraram em vigor.
No ano passado, EUA e Canadá, juntos, movimentaram o equivalente a 26,028 milhões – um avanço se comparado aos 22,365 milhões apurados no ano anterior.
Numa simples relação de oferta e demanda, o preço do crédito de carbono subiu 525% nos últimos quatro anos, e 98%, de junho de 2020 a junho deste ano, como mostrou o índice de carbono IHS, que segue a oscilação de contratos futuros de créditos de carbono negociados em bolsas internacionais no continente europeu e nos EUA.
De acordo com a IHS Markit, no final de 2020, o preço global do carbono era de US$ 24,05 por tonelada de CO2. Segundo a XP, estima-se que os preços precisam atingir uma faixa de US$ 50 a US$ 100 para atingir as metas do Acordo de Paris.
Quais empresas podem ser beneficiadas com a regulação?
Por aqui, no Brasil, o setor já demonstra grandes oportunidades para o mercado financeiro mesmo sem a regulamentação.
De acordo com o relatório da XP sobre o tema, três grandes empresas já estão alinhadas com essa questão. São elas: Jalles Machado (JALL3), São Martinho (SMTO3) e Orizon (ORVR3).
A greentech Moss, lançada em fevereiro de 2020, comprou aproximadamente R$ 60 milhões em créditos de carbono para projetos na Amazônia, mediante o lançamento do MCO2, token de crédito de carbono comercializado por meio da tecnologia blockchain.
Com isso, estima-se que a empresa protegeu, em atuação indireta, cerca de um milhão de hectares de floresta o que equivale a 565 milhões de árvores.
Para as 55 empresas que compõem o Índice Carbono Eficiente, ICO2, da B3 (B3SA3), que informa o desempenho médio das cotações dos ativos de empresas selecionadas pelo seu reconhecido comprometimento com as discussões sobre mudanças do clima no Brasil, as expectativas são grandes.
Dentre elas, a Suzano (SUZB3) informou, em junho, que prevê capturar mais 40 milhões de toneladas de carbono da atmosfera até 2030 e aguarda a regulamentação do mercado para monetizar o montante. A empresa informou possuir 22 milhões de toneladas de créditos de carbono.
A Ambipar (AMBP3) também mira grandes oportunidades no setor. Com a aquisição de 53,6% da Biofílica, que atua no mercado de serviços ambientais no Brasil por meio da conservação e restauração florestal, em julho, a empresa declarou ter 4 milhões de créditos de carbono sob sua gestão.