Por Howard Schneider, da Reuters – Resolver a "tensão" entre inflação alta e desemprego ainda elevado é a questão mais urgente que o Federal Reserve enfrenta no momento, disse o chair do Fed, Jerome Powell, nesta quarta-feira (29), um reconhecimento direto de que os dois principais objetivos do banco central norte-americano estão em possível conflito.
"Essa não é a situação que temos enfrentado há muito tempo e é uma situação em que existe tensão entre nossos dois objetivos… A inflação está alta e bem acima da meta, e ainda assim parece haver ociosidade no mercado de trabalho", disse Powell durante fórum do Banco Central Europeu (BCE), fazendo aparente referência ao surto de "estagflação" dos Estados Unidos na década de 1970, que combinou alto desemprego e preços em rápida ascensão.
Os EUA ainda carecem de 5 milhões de empregos em relação aos patamares pré-pandemia. Em sua última reunião de política monetária, as autoridades do Fed elevaram suas projeções de inflação para este ano para 4,2% – mais do que o dobro da meta de 2%. Elas esperam que a alta dos preços desacelere em 2022 para 2,2%, taxa modestamente mais alta do que projeções anteriores divulgadas em junho.
Powell disse que a "hipótese" do Fed é de que a inflação vai arrefecer por conta própria conforme a economia global volta ao normal depois da reabertura econômica pós-pandemia, cenário-base que permite ao chair do Fed se referir a aumentos de juros como ainda "muito distantes".
Mas, questionado sobre suas maiores preocupações no momento, Powell citou possibilidade de que o Fed enfrente um "trade-off" (conflito de escolha) que estava buscando evitar entre encorajar o crescimento do emprego com uma política monetária expansionista ou ser forçado a apertar as condições financeiras para controlar a alta dos preços.
"Passar por isso nos próximos dois anos é a maior e mais importante prioridade e será muito desafiador", disse Powell em evento com a participação dos presidentes dos bancos centrais da zona do euro, do Japão e do Reino Unido.
Os comentários desta quarta estão entre os mais diretos que o chair do Fed fez até agora sobre uma possibilidade que as autoridades têm tentado minimizar: a inflação elevada atual, se persistir, pode forçá-las a começar a apertar a política monetária antes de atingirem a meta do "pleno emprego" e curarem totalmente as cicatrizes pandêmicas do mercado de trabalho.
Normalmente, as taxas de desemprego e inflação são inversamente relacionadas, em parte devido à política monetária e ao uso das taxas de juros para estimular ou diminuir a demanda por bens e serviços, influenciando assim os preços e as contratações.
Essa relação parece ter enfraquecido nos últimos anos, com a baixa inflação coexistindo com mercados de trabalho em condições bem apertadas e baixo desemprego em economias desenvolvidas.
Mas os choques de oferta globais causados pela pandemia, pelo menos temporariamente, trouxeram de volta a velha dinâmica, tirando de compasso a oferta de bens e serviços e a demanda por eles.
Os riscos em torno da inflação já levaram metade das autoridades do Fed a projetar elevações de juros a partir do próximo ano e, embora o mercado de trabalho possa ter apresentado progresso até agora, Powell em seus comentários disse que as dificuldades em torno da reabertura econômica mundial se tornaram "frustrantes".
"É frustrante reconhecer que vacinar as pessoas e controlar a Delta 18 meses depois ainda continua sendo a política econômica mais importante que temos", disse Powell em resposta a uma pergunta sobre as perspectivas econômicas dos Estados Unidos. "E também é frustrante ver os gargalos e os problemas da cadeia de oferta não melhorarem e, na verdade, na margem, aparentemente ficando um pouco piores."
"Vemos isso provavelmente continuando no próximo ano e mantendo a inflação alta por mais tempo do que havíamos pensado", disse Powell. "Mas, em última análise, a perspectiva para o próximo ano entre meus colegas e eu no Fed é de um ano bastante forte, com crescimento bem acima da tendência e o desemprego atingindo níveis significativamente mais baixos do que os de agora".