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S&P vê mais crédito imobiliário com correção pelo IPCA, mas maior risco para bancos e compradores

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A Resolução nº 4.739 do Conselho Monetário Nacional elimina as restrições ao reajuste de taxas de juros da maioria dos financiamentos imobiliários no Brasil por índices de mercado, abrindo o caminho para o crédito imobiliário corrigido pelo IPCA. Isso provavelmente tornará o mercado brasileiro de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) mais viável e expandirá o crédito disponível para a compra de imóveis residenciais. A avaliação é da agência de avaliação de risco Standard & Poor’s.

No entanto, o rápido crescimento do crédito imobiliário corrigido pela inflação pode representar riscos para o mercado imobiliário brasileiro, dada a alta volatilidade do ambiente econômico e político do país e o direito limitado de regresso dos credores hipotecários, alerta a S&P. A agência acredita, com isso, que originadores e investidores prudentes levarão em conta esses riscos ao definirem seu apetite por CRIs e LIGs em suas carteiras.

À medida que a economia brasileira se recupera lentamente da profunda recessão, o país volta a atenção à recuperação do mercado imobiliário. Em 19 de agosto de 2019, o CMN aprovou a Resolução 4.739, que visa expandir os recursos disponíveis para a compra de imóveis no país. A resolução eliminou as restrições ao uso de taxas de juros ajustadas por índices de mercado em financiamentos imobiliários residenciais no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), que representa a maior parte do crédito imobiliário do país.

Na prática, a nova Resolução permitirá que o crédito imobiliário seja corrigido pelo IPCA. Isso deve atrair um número significativamente maior de investidores para o incipiente mercado brasileiro de títulos lastreados em financiamentos imobiliários residenciais por meio de CRIs e de títulos hipotecários por meio das LIGs.
A S&P Global Ratings acredita que a medida deve impulsionar o crescimento do crédito imobiliário no Brasil nos próximos dois a três anos, uma vez que a emissão de CRIs e LIGs pode expandir consideravelmente o crédito disponível para a compra de imóveis.

Atualmente, o crédito imobiliário é financiado sobretudo com depósitos de poupança e recursos do FGTS, os quais podem se tornar insuficientes para financiar a demanda por esse tipo de financiamento quando a economia se recuperar.

No entanto, a agência também acredita que a indexação de financiamentos imobiliários ao IPCA traz riscos que devem ser monitorados. A alta volatilidade da economia brasileira aumenta o risco de um aumento repentino da inflação, o que pode resultar em uma maior carga de dívida para os proprietários, aumento da inadimplência e menor qualidade de crédito das hipotecas securitizadas.

Emissões mais facilitadas

A Resolução nº 4.739 é complementar à Resolução nº 4.676, aprovada pelo CMN em 31 de julho de 2018, que estabeleceu uma série de medidas visando diminuir as restrições ao financiamento imobiliário e que vem dando suporte à recuperação gradual do mercado imobiliário brasileiro. A Resolução nº 4.739 oferece aos credores a possibilidade de ajustar as taxas de juros hipotecários no âmbito do SFH ao IPCA em vez da Taxa Referencial (TR), que é um indexador diário baseado na média diária de 30 dias de depósito acrescido de um fator redutor definido pelo Banco Central.

A nova resolução provavelmente permitirá o desenvolvimento dos mercados de CRIs e LIGs corrigidos pelo IPCA no Brasil, uma vez que os investidores têm maior apetite por investimentos corrigidos pela inflação, e o aumento da demanda pode transformar esses instrumentos em importantes alternativas de financiamento para as instituições financeiras brasileiras, acredita a S&P.
Após a aprovação da nova regulação, a Caixa Econômica Federal, que responde por de cerca de 70% do crédito imobiliário no Brasil, lançou um produto hipotecário corrigido pelo IPCA. A nova linha de produtos terá uma taxa de juros mínima de IPCA + 2,95%, inferior às taxas dos produtos corrigidos pela TR, considerando os atuais níveis de inflação.

Os financiamentos imobiliários terão prazo máximo de 360 meses e um índice de LTV (loan-to-value, ou o valor do financiamento e o valor do bem financiado) de no máximo 80%. “Acreditamos que outros grandes bancos, fintechs e outros credores provavelmente seguirão o mesmo caminho, aumentando assim a concorrência no segmento”, diz a S&P.

Riscos do crédito imobiliário corrigido pelo IPCA

O crédito imobiliário indexado ao IPCA pode ser mais arriscado para os tomadores de empréstimos, uma vez que a inflação salarial nem sempre reflete o IPCA, e a taxa de inflação do Brasil tem apresentado alta volatilidade por longos períodos de tempo. Os prazos dos financiamentos imobiliários residenciais no Brasil geralmente são de 15 a 30 anos. Nos últimos 20 anos, o IPCA teve uma volatilidade muito maior do que a TR estabelecida pelo Banco Central. Embora a inflação no Brasil tenha permanecido abaixo da meta estabelecida pelo Banco Central nos últimos três anos, o índice nem sempre se comportou como esperado, como em 2015, quando ultrapassou 10%. É difícil de prever como a inflação se comportará ao longo da vigência de um financiamento imobiliário residencial, especialmente em um país com uma dinâmica política fluida como o Brasil, alerta a S&P.

Além disso, um forte aumento dos níveis de inflação durante uma crise econômica poderá aumentar o serviço da dívida à medida que o PIB diminui. Nesse cenário, níveis mais elevados de desemprego e inflação poderão afetar a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimo, enquanto o valor de mercado dos imóveis diminui significativamente, levando a um aumento acentuado nos índices de LTV dos créditos imobiliários e a um maior risco de crédito.

Dessa forma, quando a S&P Global Ratings avalia financiamentos imobiliários corrigidos pela inflação, em geral aumenta a expectativa da Frequência de Execução de Hipotecas (FF, na sigla em inglês para Foreclosure Frequency) da carteira de ativos.

Direito de regresso

O risco de um aumento repentino no índice de LTV é particularmente relevante para mercados como o Brasil, onde os credores domésticos têm direito limitado de regresso sobre a maioria dos financiamentos imobiliários residenciais (ou seja, os tomadores não têm obrigação de pagar o saldo remanescente se o valor obtido na venda do bem não for suficiente para liquidar todo o saldo devedor).

Em mercados de direito limitado de regresso, um tomador pode ter incentivo para entregar as chaves se houver pouco ou nenhum capital próprio na propriedade hipotecada ou se o tomador apresentar capital negativo devido a flutuações adversas nos preços dos imóveis. Por exemplo, durante a Grande Recessão, alguns tomadores nos EUA, que opera primordialmente com direito limitado de regresso, simplesmente entregaram as chaves após a dívida se tornar maior que o valor dos imóveis. Isso causou fortes aumentos na execução de hipotecas e levou a uma queda generalizada nos valores dos imóveis, enfraquecendo ainda mais a qualidade de crédito dos títulos lastreados em financiamentos imobiliários residenciais nos EUA.

Alterações nas regras dos empréstimos

A importância social do crédito imobiliário residencial aumenta o risco de alterações nas regras das hipotecas à medida que a inflação aumenta em um cenário de estresse econômico. Por exemplo, na Argentina, o presidente Mauricio Macri anunciou que o governo congelará os reajustes das hipotecas denominadas em UVA (unidade de valor atrelada à inflação) por quatro meses até dezembro de 2019, após a depreciação significativa do peso e um aumento nas taxas de juros após as eleições prévias de 11 de agosto de 2019. Embora ainda não esteja claro como essa medida seria implementada, ela poderia reduzir o fluxo de caixa esperado de securitizações.

Limite financiado e endividamento do tomador são fundamentais

Embora a indexação de crédito imobiliário ao IPCA provavelmente tornará o mercado brasileiro de CRIs e LIGs mais viável e expandirá o crédito disponível para a compra de casas, a S&P também acredita que um rápido crescimento do crédito corrigido pela inflação poderia representar riscos para o mercado imobiliário brasileiro, dada a alta volatilidade do ambiente econômico e político do país e o direito limitado de regresso dos credores hipotecários.

Já a originação de crédito imobiliário atrelado à inflação combinada com índices mais baixos de LTV e de dívida sobre renda poderiam mitigar esses riscos. Dessa forma, a agência acredita que originadores e investidores prudentes levarão em conta esses riscos ao definirem seu apetite por LIGs em suas carteiras.

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