A América Latina foi a região com o maior número de defaults de governos regionais nos últimos 20 anos, afirmou hoje a agência de classificação de risco Standard & Poor’s. Desses, 75% ocorreram no Brasil e no México.
Em artigo, a S&P analisou alguns defaults de Estados e municípios brasileiros e mexicanos, indicando os principais aspectos a serem considerados ao se avaliar a trajetória dessas entidades até o default. A S&P espera crescentes riscos de crédito para os governos regionais desses países nos próximos anos, na ausência de um planejamento prudente de administração financeira.
A S&P identifica causas comunas de default em ambos os países que refletem uma combinação de fraco planejamento financeiro e cultura de crédito. Entretanto, há ainda fatores específicos a cada país. No Brasil, as garantias de dívida do governo soberano não são necessariamente suficientes para impedir um default e a flexibilidade fiscal e acesso à liquidez externa limitadas são outros componentes estruturais que têm pressionado os ratings. Para os governos mexicanos, as transições políticas e as pressões de liquidez também contribuem para os defaults.
“Também acreditamos que a carga de endividamento não é necessariamente um indicador absoluto de qualidade de crédito”, diz a S&P, lembrando que os governos regionais que entraram em default nem sempre apresentavam altas cargas.
O seu dinheiro não pode ficar nem mais um minuto sem render! Abra uma conta na Órama e comece a investir!
Análise dos casos brasileiros
O Brasil enfrentou consideráveis desafios econômicos e políticos na recessão de 2015-2016, que enfraqueceram a capacidade dos estados e municípios de responder a um cenário de estresse. Na década de 1990, alguns governos regionais brasileiros entraram em default e o governo federal teve de prestar ajuda financeira. Após essa crise de dívida, o governo restringiu seu marco intergovernamental, exigindo, por exemplo, que os governos obtivessem autorização do governo central para a emissão de dívida a qualquer momento.
Depois de quase 20 anos sem defaults de governos regionais, os efeitos da recessão, somados ao aperto fiscal estrutural e uma fraca administração financeira, levaram a alguns defaults recentemente. Entre eles, os dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que apresentam níveis mais altos de dívida comparado a seus pares nacionais e regionais, e outros estados brasileiros com endividamento relativamente baixo e que atrasaram pagamentos, os quais acabaram sendo honrados pelo governo federal.
Após a S&P rebaixar os ratings do Brasil para ‘BB’ na escala global em 2016, a agência realizou a ação similar para os ratings de oito governos regionais brasileiros. “Desde então, observamos uma maior diferença de ratings entre os governos regionais brasileiros, dependendo da evolução de seus perfis de crédito individuais (SACP – stand-alone credit profiles)”, diz a agência. A maioria deles ficou consistentemente abaixo do rating soberano na última década.
Marcos institucionais
Características econômicas, qualidade da administração financeira, flexibilidade orçamentária, posição de liquidez, carga de endividamento e passivos contingentes são fatores que levam a diferenças entre os ratings de governos em um mesmo país. A agência também avalia o marco institucional em que operam os governos regionais. No Brasil, o marco institucional dessas administrações vem se enfraquecendo desde 2016 em função da rigidez no sistema, que afetou a sustentabilidade das finanças dessas entidades durante a recessão.
Por exemplo, o atual marco regulatório permite um acesso muito limitado ao financiamento externo para atender às crescentes necessidades operacionais e de investimentos de capital (capex) dos governos regionais.
A União garante a maior parte das dívidas, tendo realizado o pagamento de dívidas de entidades em estresse financeiro durante a recessão por meio de seu já estabelecido mecanismo de retenção automática de transferências federais e receita tributária local. Por meio desse mecanismo, o governo federal intervém para honrar a garantia, de acordo com suas políticas e prazos, assim que notificado pelo credor de que o governo regional não realizou o pagamento.
Antes de 2016, o governo central não precisou ativar seu mecanismo de garantia, mas dadas as crescentes pressões orçamentárias à medida que a recessão se aprofundava, cada vez mais estados e municípios recorreram ao governo federal para honrar suas dívidas com garantias. Outras dívidas que não faziam parte desse mecanismo resultaram em default e/ou foram reestruturadas.
Rio de Janeiro, caso emblemático
O estado do Rio de Janeiro foi – e continua sendo – um caso emblemático dos desdobramentos desses fatores. Até 2015, o estado possuía uma carga de endividamento equivalente a 209% de suas receitas operacionais, crescentes despesas relacionadas a pensões e fornecedores, e, como muitos outros governos regionais, enfrentava restrições orçamentárias.
Agravando essa dinâmica, os royalties do petróleo que o estado recebe começaram a cair após a queda dos preços internacionais do petróleo naquele ano, enquanto as investigações de corrupção da Lava Jato afetaram os investimentos. As receitas totais e a atividade econômica do estado caíram cerca de 11% em 2015. Em 2016, diante do cenário econômico desafiador, aumento das contas a pagar e crescentes dúvidas quanto à capacidade e disposição do estado de honrar seus pagamentos de serviços da dívida em tempo e forma, o Rio de Janeiro descumpriu pagamentos de dívidas, garantidas e não garantidas pelo governo soberano, após ter seu rating rebaixado para ‘CCC-‘.
Como resultado, em 2016 o governo federal honrou obrigações de serviço da dívida no valor de R$2,2 bilhões devidas pelo estado.
Regime especial
Em 2017, o governo federal criou um regime especial para estados altamente endividados e em estresse financeiro (Regime de Recuperação Fiscal – RRF), incluindo o estado do Rio de Janeiro. Esse regime exigia que os estados seguissem determinadas regras, como a privatização dos ativos públicos e reformas previdenciárias. De 2016 a março de 2019, o Tesouro Nacional honrou R$13,15 bilhões em dívidas dos estados e municípios devidas a bancos públicos e privados, bem como instituições multilaterais e bilaterais de crédito.
Minas Gerais
Após descumprir pagamentos de serviço da dívida em agosto de 2018 e fevereiro deste ano, o estado de Minas Gerais vem negociando com a União a adesão ao regime especial. Ao contrário do Rio de Janeiro, Minas Gerais não depende de royalties do petróleo. Entretanto, seu desempenho orçamentário piorou significativamente nos últimos três anos devido à fraca economia do Brasil, às práticas inadequadas de administração financeira, e às despesas, que o estado não pode cortar – particularmente, a folha de pagamento do estado (incluindo pensões) e os pagamentos de serviços da dívida.
Como muitos outros estados brasileiros que vêm se ajustando à forte recessão, Minas Gerais cortou seu investimento (capex) para 2% das despesas totais em 2018, ante aproximadamente 10% em 2013. Ainda assim, as despesas com folha de pagamento continuaram aumentando, tendo alcançado 60% dos gastos no último ano, versus 52% em 2013. Ao mesmo tempo, seus níveis de dívida estavam entre os mais altos dos estado brasileiros, totalizando 154% da receita operacional no ano passado. A deterioração das finanças do estado foi acompanhada de crescentes necessidades de financiamento para fechar as lacunas orçamentárias e de uma redução contínua dos níveis de caixa em relação às obrigações operacionais e financeiras gerais.
Embora os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais apresentassem níveis elevados de endividamento, outros estados brasileiros com menor endividamento também atrasaram no pagamento das dívidas que contavam com o mecanismo de garantia soberana. Em geral, as informações financeiras dos governos regionais brasileiros são disponíveis e transparentes. Entretanto, não são necessariamente pontuais ou consistentes, o que dificulta levar em consideração todas as restrições de liquidez dos governos regionais.
“Em nossa opinião, o maior desafio para determinar a qualidade de crédito dos governos regionais brasileiros é avaliar os balanços patrimoniais e a disponibilidade de caixa livre geral em relação a todas as obrigações operacionais, juntamente com os pagamentos de serviço da dívida”, diz a S&P. Isso porque as demonstrações financeiras e os balanços patrimoniais dos governos nem sempre apresentam informações relevantes para explicar a trajetória dessas instituições até o default, especialmente quando os níveis de dívida não são altos. Por esse motivo, a S&P considera fundamental avaliar e compreender a administração financeira dos governos regionais avaliados em grau especulativo
O post S&P vê riscos altos de novos calotes de governos regionais no Brasil e no México apareceu primeiro em Arena do Pavini.