Empatia, uma palavra que estava adormecida, esquecida em nosso dicionário, em meio à uma sociedade moldada sob uma forja individualista nesses últimos anos.
De repente, sem pedir licença, tomamos conhecimento de uma pequena cidade (de cerca de 10 milhões de habitantes) chamada Wuhan, e dois meses depois, após os reflexos da pandemia global de COVID-19 (“Coronavírus”) e das medidas de isolamento social, nossos valores e crenças foram colocadas à prova e passamos a nos voltar um pouco mais para as necessidades dos outros. Em outras palavras, passamos a exercitar a arte de nos colocar no sapato dos outros.
Diante do choque econômico, como lidar com as obrigações comerciais celebradas antes da pandemia? O Código Civil Brasileiro possui os caminhos para isso. Diferentemente da tradição de países que adotam a Common Law, como os Estados Unidos, por exemplo, onde as decisões são construídas por meio das decisões judiciais, no Brasil, adepto da Civil Law, os caminhos para as lacunas e questionamentos estão amparados na própria lei.
Dessa forma, quando analisamos a imprevisibilidade e as consequências decorrentes da pandemia, tal situação pode se classificar como caso fortuito ou força maior, na qual não se deve imputar ao devedor as causas do não cumprimento das obrigações, conforme previsto no Código Civil[1].
Contudo, não basta apenas que a pandemia de Coronavírus seja imprevisível e inevitável, também é necessário estabelecer nexo causal entre o fato imprevisível e a impossibilidade de cumprimento dos contratos celebrados em sua plenitude, em decorrência de uma alteração da base econômica e uma onerosidade excessiva, para qualquer das partes.
Quando verificado esse tripé, com o intuito de restabelecer o necessário equilíbrio contratual entre as partes, deve-se aplicar a teoria da imprevisão ( do latim rebus sic stantibus). Por meio da aplicação dessa teoria, que já vem contemplada no Código Civil[2], há a possibilidade das partes (apesar da obrigatoriedade e vinculação das cláusulas contratuais) ajustarem as disposições contratuais de modo a restabelecer o equilíbrio econômico e equidade das contraprestações entre as partes, implementando os ajustes necessários, ou até mesmo encerrando o vínculo contratual.
Nesse sentido, o ordenamento brasileiro já possui remédio (ainda que amargo) para o enfrentamento dos embates contratuais que observamos atualmente. No mercado imobiliário, por exemplo, os locadores estão buscando um alinhamento com os locatários, negociando redução proporcional dos aluguéis ou período de carência, por exemplo.
Além disso, inspirada em uma legislação alemã aprovada em março de 2020, denominada Lei para Amenização dos Efeitos da Pandemia de COVID-19 no Direito Civil, Falimentar e Processual Penal (Gesetz zur Abmilderung der Folgen der COVID-19-Pandemie im Zivil-, Insolvenz- und Strafverfahrensrecht), está em tramitação no congresso brasileiro (em fase de análise do Senado Federal) o Projeto de Lei nº 1179/2020, que estabelece uma série de normas, de cunho temporário, de modo a adequar à pandemia de Coronavírus, estabelecendo medidas temporárias e transitórias, como por exemplo, estabelecendo de forma expressa que os efeitos da força maior não retroagirão, em nenhuma hipótese, de modo que não exista nenhum tipo de beneficio por qualquer das partes.
Em momentos de incertezas sanitárias e econômicas sem precedentes e sem previsão de encerramento, a melhor maneira para se enfrentar seus efeitos é seguir o que estabelece o regramento brasileiro, inclusive nos momentos de ruptura, onde é necessário um restabelecimento de um equilíbrio entre as partes, buscando de forma empática, compreender as dificuldades da outra parte e acomodar os interesses de todos com o mínimo de impacto possível.
[1] Conforme previsto no artigo 393 do Código Civil, “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.
[2] Conforme previsto no artigo 478 , 479 e 480:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.”
“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.