A pandemia global de Covid-19abalou o mundo do ponto de vista sanitário, contudo, o tsunami de fato virá com o reflexo da crise econômica decorrente das medidas de restrição de circulação. Muitos tentam prever o impacto do rombo na economia, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que apresentou um relatório no qual prevê um recuo de 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2020.
A queda projetada pelo FMI demonstra a real gravidade do problema e remete às possíveis soluções para colocar a economia de volta “aos trilhos”. Estamos diante de um problema novo, mas a solução é conhecida, um tripé já consagrado e muito discutido, composto por: austeridade fiscal, reformas estruturantes e fomento do mercado de capitais.
Os dois primeiros estão na capa dos principais jornais, enquanto o fomento do mercado de capitais parece ser algo mais distante, imbuído de estigmas. Primeiramente, por existir uma visão da população de um certo distanciamento do “vai-e-vem” do mercado com a vida cotidiana. Em geral, existe uma dificuldade para correlacionar uma queda abrupta na bolsa de valores, por exemplo, a reflexos na economia real. Outro estigma é a visão de que o mercado de capitais é algo destinado às elites, inacessível às classes mais baixas.
Esse afastamento do mercado de capitais prejudica, e muito, o desenvolvimento e a geração de emprego do país de forma geral. A importância do mercado de capitais é mais bem explicada quando pinçamos um exemplo vinculado ao cotidiano das pessoas: imaginemos que uma pessoa precise de um empréstimo de mil reais. Em uma primeira situação, ela entra em contato com cinco grandes amigos (bancos), contudo esses amigos apresentam uma série de exigências e condicionantes. Imaginemos a mesma situação, mas agora o pedido será direcionado não aos amigos, mas sim, para três mil pessoas aleatórias (mercado).
Em um conjunto muito maior de pessoas é muito provável que o apetite de risco seja maior, o risco suportado individualmente seria reduzido de forma relevante, e é provável que sejam oferecidas condições mais favoráveis, quando comparadas à situação dos cinco amigos. Esse singelo exemplo mostra a importância e necessidade de um mercado de capitais pujante — e como isso se revela de forma positiva para economia como um todo.
Nesse contexto, existe um real esforço legislativo no intuito de viabilizar novos produtos e incentivar o mercado secundário, em especial com relação ao mercado de dívida. Uma ideia que vem ganhando força (mas ao mesmo tempo possível resistência), que recentemente foi trazida à luz novamente, foi o projeto de lei encabeçado pelo Senador Flavio Bolsonaro[1] que autoriza a emissão de debentures pelas sociedades limitadas (gênero de sociedade que engloba a maior partes das sociedades empresárias no Brasil) e cooperativas. Tal instrumento havia sido incluído na Medida Provisória da Liberdade Economia, contudo, acabou sendo colocada de lado quando da conversão da medida provisória em lei.
Apesar de existir uma divergência na doutrina, os defensores da emissão de debêntures por sociedade limitada entendem nem mesmo ser necessário uma alteração legislativa, por não existir vedação expressa nesse sentido. Contudo, a maioria das juntas comerciais se recusa a registrar as escrituras de emissão de debêntures por sociedades limitadas (mesmo aquelas emitidas em âmbito privada), por alegarem falta de amparo legal.
A mera dúvida ou questionamento já demonstra a necessidade de uma aprovação legislativa. Para além da questão normativa, uma aprovação de uma legislação nesse sentido traria a importância ao tema que o tema merece, o que é essencial para sua assimilação e popularização.
O momento não poderia ser mais propício. Em que pese todas as restrições e dificuldades decorrentes da pandemia, o fato de a taxa Selic (que é a taxa base para remuneração do capital investidor) ter atingido o menor patamar de sua história (atualmente em 2,25%) irá naturalmente estimular que os investidores diversifiquem o portifólio e passem a buscar produtos mais rentáveis, ainda que com um grau de risco maior. Nesse contexto, o fomento do mercado de capitais, em especial o mercado secundário de debêntures de sociedades limitadas, poderia representar uma das molas propulsoras que a economia necessita para reverter o quadro de recessão.
[1] PL 3324/2020, que altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) para autorizar a emissão de debêntures por sociedades limitadas e cooperativas