Em 2002, o mercado financeiro brasileiro acompanhava com receio a ascensão de um metalúrgico e sindicalista à presidência. Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sem experiência no executivo, gerava incertezas sobre o futuro econômico do Brasil.
Hoje, 22 anos depois e com Lula em seu terceiro mandato, a corrida eleitoral pela prefeitura de São Paulo reacende um medo semelhante no ambiente de negócios.
Dessa vez, Guilherme Boulos (PSOL), deputado federal, professor, psicanalista e escritor, desperta preocupações sobre o rumo da política fiscal no maior centro financeiro do país.
Pelo menos é o que parece ser a perspectiva dominante entre muitos atores que compõem o mercado financeiro no Brasil.
Para Juliana Inhasz, professora e coordenadora do curso de economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o mercado revive esse temor mediante ao plano de propostas apresentado pelo candidato.
As propostas sugerem possível descontrole de gastos e com ideias pouco factíveis para o desenvolvimento econômico de São Paulo, na avaliação de Inhasz.
“O mercado enxerga nele [Boulos] um risco potencial… Caso eleito, isso certamente vai gerar ruídos na economia, mas essa percepção pode ser contornada, assim como foi com Lula”, acrescenta.
De 2003 a 2006, período marcado pelo primeiro mandato de Lula, o Ibovespa (IBOV), principal índice da bolsa de valores brasileira, B3 (B3SA3), se valorizou cerca de 338%.
“Um efeito parecido pode acontecer se ele pisar na prefeitura e mostrar que possui bom senso frente a uma gestão econômica das finanças municipais. Caso contrário, o que pode acontecer é um ambiente de negócios mais conturbado, com mais saídas de empresas da capital”, pondera a economista.
O que tem no plano de Boulos?
De “Cidade de 15 Minutos” ao “Poupatempo”, o plano de governo de Guilherme Boulos traz propostas que, segundo a análise de Juliana Inhasz, resgatam ideias já vistas em administrações passadas ou inspiradas em experiências internacionais.
Para a professora, o diferencial do candidato está na ênfase em políticas sociais, um ponto de destaque em relação aos concorrentes.
Inhasz ressalta que, em uma cidade marcada por desigualdades, como São Paulo, propostas voltadas a ampliar benefícios para a população se tornam cada vez mais necessárias.
“Isso é importante porque São Paulo é uma cidade de muita discrepância social”, observa.
No entanto, ao avaliar as propostas para o desenvolvimento econômico, a economista ressalta que Boulos ainda parece acumular mais erros do que acertos.
A princípio, o candidato apresentou sete propostas destinadas à ampliação de trabalho e desenvolvimento econômico para a capital paulista. São elas:
- Fortalecimento da economia solidária e cooperativa: regulamentação da Lei Municipal Paul Singer e criação de um marco regulatório para fomentar compras públicas e “cooperativismo por plataforma”;
- Agência Municipal de Crédito: implementação de uma política de crédito municipal para democratizar o acesso a financiamento para a economia popular urbana e pequenos empresários, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
- Plano de Inovação Econômica: promoção de incentivos e parcerias com universidades para desenvolver polos tecnológicos e atrair serviços industriais mais sofisticados;
- Plano de Regularização do Trabalho Informal: recriar uma comissão paritária entre ambulantes, comerciantes e a Prefeitura para regulamentar o comércio informal;
- Plano Municipal de Turismo: fortalecimento do Conselho Municipal de Turismo para desenvolver novas políticas públicas e parcerias, visando diversificar e descentralizar o turismo na cidade;
- Centros de Apoio aos Trabalhadores de Aplicativo: estabelecimento de espaços de apoio para motoristas de aplicativos, com infraestrutura e serviços;
- Meu Primeiro Escritório: revitalização de prédios no Centro para criar coworkings destinados a jovens recém-formados que buscam espaço para iniciar seus negócios.
Como esse plano impacta o ambiente de negócios em São Paulo?
Juliana Inhasz observa que o plano de governo apresentado por Guilherme Boulos não apresenta indicativos claros de geração de receita, mas pressupõe despesas significativas.
“Essa proposta de centros de apoio aos trabalhadores de aplicativos, por exemplo, geraria um enorme custo para a prefeitura caso fosse arcado totalmente pelo dinheiro público. Desde a construção até a manutenção desses espaços, isso não seria trivial pela geração de gastos”, comenta a economista.
Em sua visão, essa proposta seria viável caso a prefeitura firmasse uma parceria com as empresas, em que gerasse uma parcela mínima de isenção fiscal, e, em troca, fornecessem melhores condições a esses trabalhadores.
Ou, além disso, implementasse uma nova regulamentação que exigisse esses centros como requisitos para que essas companhias operassem dentro da cidade.
Essa última sugestão foi a usada por Boulos para justificar a razoabilidade dessa ideia.
Em sabatina promovida pelo UOL e Folha de S.Paulo, ele afirmou que, se eleito, pretende enviar à Câmara Municipal um projeto de lei que imponha “contrapartidas de responsabilidade financeira” às empresas de aplicativos, como Uber, 99 e iFood, para a construção desses centros.
Por outro lado, Inhasz vê o Plano de Inovação Econômica de forma positiva, ao considerá-lo capaz de gerar impacto positivo no setor de negócios da capital, com custos reduzidos.
“Essa proposta pode trazer ganhos de eficiência e produtividade com pequenos incentivos para conectar as indústrias. Recentemente, ele esteve com o pessoal do Google, muito nesse sentido já. Então acredito que seja algo factível”, destaca.
No entanto, Inhasz classifica o plano econômico de Boulos como fraco e pouco inovador. Segundo ela, São Paulo precisa de inovação no ambiente de negócios, mas com uma gestão fiscalmente responsável.
“Sem responsabilidade, qualquer candidato pode tornar o ambiente de negócios disfuncional, levando empresas a deixarem São Paulo e causando perda significativa de receita para a prefeitura”, conclui.
Cenários apontados nas pesquisas de intenção de voto
As três últimas pesquisas eleitorais da Quaest, da AtlasIntel e da Datafolha mostram que Guilherme Boulos segue entre os três nomes mais cotados entre os paulistanos para se eleger à prefeitura.
A Quaest mostrou o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) com 24%, o empresário e coach Pablo Marçal (PRTB) com 23% e o psolista com 21% das intenções de votos, em um empate técnico triplo.
Já a AtlasIntel exibe um cenário pouco diferente, com Boulos na liderança (28%), seguido por Marçal (24,4%) e depois Nunes com 20,1% das intenções de votos.
Enquanto o Datafolha apresenta o candidato do MDB com 27%, o do PSOL com 25% e o do PRTB com 19%.
As duas primeiras pesquisas foram divulgadas na quarta-feira, 11 de setembro, e ambas ouviram mais de 2 mil eleitores cada.
Em seguida, a do Datafolha saiu na última quinta-feira (12) e entrevistou cerca de 1.200 pessoas.