Escrevi aqui, há alguns dias, sobre o impacto da má gestão no desenvolvimento econômico e social do Brasil — elencando-a entre nossas principais deficiências —, responsável por uma indecente dilapidação de recursos do orçamento público em todos os entes federativos e poderes da República. Temos estabelecidos órgãos e regramento legal suficientes para enfrentar esse problema, mas é forçoso admitir que ambos têm falhado. Também não se pode imputar à política, exclusivamente, a perpetuidade dos descalabros administrativos, porque sabemos que não é possível, nem conveniente, dela prescindir na gestão da coisa pública.
Nesse sentido, em anos recentes foi elaborada legislação específica para compras estatais (Lei 13.303/2016), em complemento à original Lei de Licitações (Lei 8666/98), que permanece em vigor. A nova lei, entre outras boas motivações, visa dar mais autonomia e agilidade aos gestores públicos sem, contudo, perder os indispensáveis instrumentos de controle e transparência previstos na legislação até então existente.
O cenário decorrente da pandemia global trouxe à tona, mais uma vez, as mazelas dos nossos sistemas de compras públicas. Não obstante, ou talvez por isso mesmo, existe previsão legal de decretação de estado de emergência para o enfrentamento de situações excepcionais como essa que atravessamos. Entretanto, o que vemos, atualmente, é uma série de ocorrências que desafiam gestores sérios, imprensa e sociedade a entender e interpretar o comportamento da administração pública frente ao mercado de equipamentos e insumos médico-hospitalares.
Cabe, de antemão, reafirmar o óbvio: algumas dessas ocorrências são, puramente, a velha e onipresente corrupção. Não me atrevo a estimar qual é o percentual de situações que se enquadram nessa definição, tampouco, discutir, neste momento, suas causas e remédios. Tratemos aqui de gestão, admitindo, para efeito de análise, que o estado de emergência está decretado em todos os níveis da federação brasileira.
Diante da dramaticidade da crise de saúde, explodiu a demanda de importantes equipamentos insumos e serviços médico-hospitalares, destacando-se entre eles, pelos altos valores envolvidos, a construção e a concessão dos hospitais de campanha e a aquisição de respiradores, sendo que, especialmente esses últimos, requereram extrema urgência. Não se pode esquecer que respiradores são equipamentos usuais até mesmo em unidades de baixa complexidade, estando, portanto, os gestores familiarizados com especificações, fornecedores e níveis de preço e qualidade.
Como ainda não foi possível revogar a Lei da Oferta e da Procura e a demanda era (ainda é) global, já eram esperados expressivos aumentos de preço nos mercados internos e externo. Além dos aumentos, também era previsível uma forte discrepância de preços entre os variados fornecedores de todos os mercados. Mas um bom gestor deve saber que é possível criar limites para as leis naturais, sejam elas da Economia ou da Física. Antes de Newton, o gênio renascentista Da Vinci já pensava em burlar a tal da lei da gravidade com um artefato que depois levou o nome de paraquedas.
Não faltavam conhecimento e instrumentos que permitissem a coordenação e troca de informações entre o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais de saúde e administração em todo o país. Não foi o que ocorreu. Como se fossem baratas tontas, ou, com certa dose de má vontade, predadores famintos, saíram desordenada e individualmente em busca dos bens e serviços necessários. Nesse momento, tornaram-se reféns e cúmplices de um mercado que nunca foi pautado por motivos humanitários.
Somadas à falta de coordenação, surgiram as habituais dificuldades da maior parte dos funcionários públicos em se adaptar a cenários que exigem flexibilidade e agilidade nas decisões. A máxima do setor público de que só é permitido fazer aquilo que a lei autoriza, se levada ao extremo, em contraponto à visão privada de que tudo é permitido desde que a Lei não proíba, engessa a máquina estatal mesmo nesses momentos de exceção.
O balizamento dos preços atuais com aqueles praticados anteriormente, admitindo-se, obviamente, variação razoável decorrente do ambiente atual, assim como ampla consulta de fornecedores nacionais e estrangeiros, mesmo aqueles ausentes do cadastro oficial e negociações ágeis, sérias e rigorosas, que lembrassem aos fornecedores que outros tempos hão de vir, são atitudes simples, disponíveis e eficientes para eliminar ou mitigar os desvios e falhas tão recorrentes nas páginas da imprensa, nos relatórios dos tribunais de contas e nos despachos de juízes e procuradores.
Outro fator digno de menção nesse processo é a contratação ─ etapa subsequente à negociação. Sabem os gestores, públicos e privados, que um mau contrato anula todos os efeitos de uma boa negociação. Ainda que não sejam as únicas de um contrato, são cláusulas básicas, porém extremamente importantes, aquelas que definem o escopo, as especificações técnicas, os prazos, as obrigações das partes e as garantias. Deixo de mencionar o preço, em princípio inalterável por uma má redação, dada a sua natureza quantitativa.
Pelo que lemos, vimos e ouvimos, os problemas não se restringiram aos preços, em alguns casos verdadeiros absurdos. Houve atrasos de entrega, equipamentos com defeitos e até entrega de equipamentos distintos dos adquiridos. Os bons contratos têm previsão para penalizar, de forma rápida e eficaz, essas e outras falhas.
E aqui aparece um instrumento de vital importância para a feliz consecução dos objetivos desejados: a garantia financeira prestada pelo fornecedor, em alguns casos, até mesmo quando da apresentação da proposta. A depender do estipulado no contrato e da natureza do instrumento garantidor (fiança bancária, seguro fiança, garantia corporativa etc.), o ressarcimento ou indenização do comprador se dá em tempo hábil e justo, não se descartando negociações para outros tipos de reparações, se assim for conveniente para as partes.
Em resumo, temos legislação, instrumentos e quadros qualificados no serviço público, que podem contribuir de forma bastante positiva para a adequada e eficiente alocação dos recursos do Orçamento, destinando-os para os nobres objetivos de atendimento à população e servindo, dessa forma, ao desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Por que isso nem sempre acontece? Porque embora conterrâneos do Todo Poderoso, somos humanos e falíveis como todos os demais povos e países do mundo, onde essas coisas também ocorrem. O processo de construção de uma sociedade, uma nação, um Estado ou um país é permanente, ainda que inconstante no ritmo, na velocidade e na direção. Mas jamais será o caso de desistir e deixar de reconhecer que, mesmo aos trancos e barrancos, e com muitos sobressaltos, temos avançado, desde o ano 12.000 A.C, segundo datações arqueológicas na Serra da Capivara -PI e Lagoa Santa – MG, rumo a um melhor futuro.